Apresentação
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“Quando Belém era metrópole, São Paulo era ainda sertão”. A frase de Milton Hatoum, em entrevista concedida em 2009 à Revista de História da Biblioteca Nacional, diz bem da importância e da singularidade de uma das mais notáveis cidades brasileiras. Em um processo colonizador no qual o fenômeno urbano foi tardio, já que associado ao que outrora se denominava como “ciclo do ouro” (sec. XVIII), Belém – ao lado de Salvador, Rio de Janeiro e Recife – representou a faceta urbana da América portuguesa.
As razões estratégicas e imediatas para sua fundação, movidas pela necessidade de controle militar da entrada do Rio Amazonas, logo deram lugar a vínculos de maior consistência, com implicações de longo prazo. Mais do que efeito de uma estratégia, trata-se de um lugar de um experimento singular, de progressiva construção de uma cultura urbana, cuja expressão política e cultural será crescente nos séculos XVIII e XIX. Ali se consolidou um original amálgama, marcado pela presença das populações originárias e pela ação dos colonizadores, além da implantação de um experimento urbano europeu, cujas marcas ainda subsistem nas obras concebidas por Antonio Landi e no traçado das vielas do velho centro de Belém e da Feliz Lusitânia, em cuja área se destaca o mais belo museu brasileiro de Arte Sacra, no belíssimo conjunto arquitetônico formado pela Igreja de São Francisco e pelo antigo Colégio de Santo Alexandre.
Cidade que viria a abrigar Benedito Nunes, o saudoso e genial filósofo, crítico literário e sábio,
para quem Belém perderia sua face “sem o seu barroco e sem as suas árvores”. Em livro pungente compartilhado com Milton Hatoum, Crônica de Duas Cidades (2004), Benedito Nunes falava de Belém como sua “concha existencial”, como lugar que acolheu sábios e escritores geniais, tais como Eidorfe Moreira e Dalcídio Jurandir, protegidos do sol inclemente pelas sombras das mangueiras mandadas plantar, no século XX, por Antônio Lemos.
A partir da década de 1960, Belém não escapou do flagelo que se abateu sobre as cidades brasileiras, sucumbidas por padrões predatórios de modernização e devotadas à supressão impiedosa de suas memórias e de seu passado. Ainda assim, subsiste em Belém, ao lado das mazelas urbanas brasileiras, a beleza e a força de uma das mais cativantes cidades do país. A Biblioteca Nacional contém em seu acervo peças que atestam momentos e símbolos preciosos da formação histórica de Belém. A ocasião do seu quarto centenário mais do que justifica a iniciativa desta exposição, que homenageia uma adorável porção do povo brasileiro, autora da história da capital dos Cabanos e da “concha existencial” do grande Benedito Nunes.
Renato Lessa
Presidente
Biblioteca Nacional