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Nêgo Bispo ou Antônio Bispo dos Santos

A predominância de Nêgo Bispo nas redes sociais, sites e veículos de imprensa foi muito maior que seu nome completo: Antônio Bispo dos Santos. Embora sejam nomes diferentes, se referem à mesma pessoa.

Um catálogo consistente deve adotar uma forma única para o amplo leque de formas variadas de um mesmo nome, caso contrário acarreta em dispersão. Um dos objetivos do Catálogo é reunir o que uma biblioteca possui de um determinado autor (Cutter, 1876), por isso, usar nomes variantes, sem padronização, inviabiliza a reunião dos documentos que possuem o mesmo autor. Séculos de tradição e estudos na Biblioteconomia nos apresentaram formas de lidar com as mudanças de nomes de uma pessoa, o que chamamos de ponto de acesso controlado. Há para isso uma série de regras a serem adotadas e campos de metadados a serem preenchidos.

Não vamos entrar em detalhes tão profundos. Apenas evidenciar o quanto um registro de autoridade elaborado de modo muito simples pode enterrar uma pessoa ainda viva. Ou manter viva uma pessoa, ainda que esteja enterrada.

Isso ocorre porque é necessário elencar todas as variações de um nome para que, independente da forma que se faça a busca, ele possa ser encontrado. O termo técnico para isso é remissiva. Por exemplo, ao buscar Nêgo Bispo - ou Bispo, Nêgo – num primeiro momento, o catálogo da Biblioteca Nacional não recuperou nenhum registro porque o está considerando como base para o ponto de acesso o nome completo e pertencente ao registro de nascimento: Antônio Bispo dos Santos. O registro de autoridade abaixo, indica apenas uma remissiva, que limita a busca e recuperação, neste caso, ao nome completo de Nêgo Bispo.

 

Figura 1 – Registro de autoridade de Antônio Bispo dos Santos em 15.12.2023.
Fonte: Fundação Biblioteca Nacional (2022)


Esse registro não possui elencado na remissiva todas as formas variantes que Nêgo Bispo possui. Isso significa que ao se buscar “Bispo, Nêgo” não se recuperará nenhum registro. A não recuperação de registro não significa que a biblioteca não possua nenhuma obra daquele autor, pode significar apenas que não foram estabelecidas todas as remissivas necessárias para encontrá-lo.

Por isso, quando algo não é devidamente representado ele não é encontrado. Sua voz é silenciada, esquecida, até que alguém atualize seu registro de autoridade com todas as possibilidades de busca, ou seja, com todas as remissivas necessárias.

A importância do cuidado em se estabelecer os pontos de acesso não se refere apenas a representar algo adequadamente, envolve todos os processos de organização, busca e recuperação da informação. É fundamental valorizar e reconhecer o papel do bibliotecário na preservação da memória e no acesso ao conhecimento, algo que envolve todas as etapas do processo biblioteconômico, principalmente aquela que o leitor não consegue ver.

O tema é interessante e relevante, não só para a Biblioteconomia como ciência, mas para a sociedade, que tem que se reconhecer em seus catálogos e demais produtos bibliográficos.

De um modo bem resumido, o catálogo pode ser visto sob três olhares distintos: como mediação entre o usuário e o acervo quando possibilita busca e recuperação de obras; como instrumento administrativo quando permite o controle patrimonial; e como um registro da memória da própria instituição e um reflexo da sociedade. Destacamos essa última característica pois a partir do catálogo é possível estabelecer a história da Instituição e identificar as questões políticas vivenciadas em determinados contextos.

Nêgo Bispo, intelectual que desenvolveu o conceito de contracolonização em seu livro “Colonização, quilombos: modos e significações”, nos faz refletir até que ponto nossos catálogos não precisam de maior ação e participação nesse movimento decolonial. Neste sentido, o registro de autoridade de Nêgo Bispo foi atualizado em 19 de dezembro de 2023 no catálogo da FBN, incluindo as formas variantes de seu nome, para que possa ser buscado e recuperado.

 

Figura 2 – Registro de autoridade de Antônio Bispo dos Santos em 19.12.2023.
Fonte: Fundação Biblioteca Nacional (2023)


Como dito na apresentação, longe de se alcançar as respostas certas e a reparação necessária aos descendentes de escravizados, buscou-se com a atualização do registro de Nêgo Bispo um caminho de conscientização do bibliotecário, numa atuação ativa e de reconhecimento dos intelectuais brasileiros. Somos nós os responsáveis por manter o conhecimento vivo, mesmo que seus autores estejam enterrados.

 

REFERÊNCIAS

BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). [Registro de autoridade de] Bispo, Antônio Bispo dos. In: BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Catálogo de autoridade. Rio de Janeiro: FBN, 2022. Disponível em:

https://acervo.bn.gov.br/sophia_web/autoridade/detalhe/1527683?i=1&guid=1702774378408&returnUrl=%2Fsophia_web%2Fautoridade%2Findex%3Fguid%3D1702774378408%26p%3D1. Acesso em: 15 dez. 2023.

BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). [Registro de autoridade de] Bispo, Antônio Bispo dos. In: BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Catálogo de autoridade. Rio de Janeiro: FBN, 2023. Disponível em:

https://acervo.bn.gov.br/sophia_web/autoridade/detalhe/1527683?i=1&guid=1703008232127&returnUrl=%2Fsophia_web%2Fautoridade%2Findex%3Fguid%3D1703008232127%26p%3D1. Acesso em: 19 dez. 2023.

CUTTER, Charles A. Rules for a dictionary catalogue. Washington: G.P.O., 1876. Disponível em: http://www.archive.org/details/cu31924029518978. Acesso em: 28 mar. 2011.

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