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O Brasil Encontra o Extremo Oriente: a Missão Chinesa (1880)

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Os elementos culturais: religiosidades e pensamento

Reforçando o aspecto da investigação sinológica, Lisboa forneceu um quadro bastante elucidativo das questões religiosas e filosóficas, identificando com precisão a existência (e as disputas) do Daoísmo, Confucionismo e Budismo. Aliado a isso, ele ainda descreveu uma série de rituais e festividades, revelando uma ampla e profunda gama de informações. Sua síntese sobre as crenças chinesas era que

já alcançaram os chins a meta a que ainda procuram chegar os europeus modernos, isto é: “deixar de lado as disputas e as questões especulativas para só cuidar do positivo, e fazer da religião um elemento de civilização e da filosofia a arte de viver em paz, a arte de saber mandar e obedecer”

Fig. 41 - Interior de um templo Budista, foto de Adolfo Boiarski (1874-1875)
Fonte: Acervo digital da Fundação Biblioteca Nacional.

A par dessa visão positiva, e um tanto idealizada, Lisboa estava realmente decidido a aprofundar seus estudos na cultura chinesa, e começou o aprendizado da língua chinesa, fazendo um relato bastante cônscio sobre sua estrutura. Na época, dicionários e cursos como os de Joaquim Gonçalves (1829 e 1831) já podiam orientar bastante sobre como estudar chinês, e a missão brasileira foi acompanhada, como já dissemos, do intérprete francês Arnold Vissière, um dos maiores sinólogos e especialistas em ensino de língua chinesa na França. Lisboa começou seus estudos no idioma com ele, o que era considerado um elemento crucial na formação sinológica. Ele fica surpreendido em saber que, ao contrário do que era vulgarmente divulgado na época - os chineses seriam incultos e ignorantes - eles buscavam, de fato, educar-se o quanto podiam, criando uma das maiores redes escolares do mundo:

Não há, com efeito, aldeia por mais insignificante que não tenha a sua escola. Aí aprendem os rapazes, desde a idade de 6 até 10 anos, a língua escrita, na medida das suas necessidades, um pouco de história e as regras do cerimonial familiar. Os mestres são remunerados por uma porcentagem das colheitas ou dos lucros industriais dos pais, obtendo- -se desse modo uma repartição equitativa das cargas da instrução, de cujos benefícios gozam igualmente os filhos de ricos e pobres. Não houve necessidade na China de decretar o ensino obrigatório; aí envergonham-se os pais de que os seus filhos não saibam tanto ou mais do que eles; nas próprias cidades flutuantes abundam barcos-escolas e até os navegantes empenham-se em transmitir aos filhos aquelas noções que têm. À exceção da ralé dos centros populosos, que forma uma classe à parte, repudiada pelas outras, todos os chins sabem, pelo menos, ler e escrever os caracteres da língua escrita de uso geral e os especiais a cada profissão.
Ainda hoje, a questão educacional – herdada da visão confucionista de aperfeiçoamento pessoal – é um dos pilares fundamentais do processo de desenvolvimento da China, sendo considerada um elemento central no desenvolvimento das ciências, mas também, na manutenção das tradições e valores culturais desta civilização.

Fig. 42 - Fotografia de um Mandarim, por Adolf Boiarski (1874-75)
Fonte: Acervo da Fundação Biblioteca Nacional

Aparentemente, Lisboa compreendeu que o desgaste imposto pelo domínio manchu, acabava por oprimir as iniciativas chinesas de desenvolvimento:

Parece, na verdade, muito natural que, possuídos de uma energia e de uma força de concepção, hoje amortecidas pela opressão a que estão sujeitos, limitem os chins atuais as suas tendências artísticas e industriais a um termo que não desperte a inveja ou cobiça dos mandões tártaros. Isso explica a desaparição de monumentais fábricas, ainda recordadas pelos seus raros e disputados produtos. Só assim se compreende a ausência de um sistema de cooperação para a elaboração dos numerosos produtos de exportação da China.


Fig. 43 - Fotografia de artesão chinês, por Adolfo Boiarski.
Fonte: Acervo da Fundação Biblioteca Nacional

»Veja mais: uma análise das visões de Lisboa sobre religiosidades chinesas em ‘Uma estranha razão: leituras sobre o Daoísmo entre pensadores brasileiros, 1879-1982’.


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