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Povos Originários

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Povos Originários Brasileiros: Indígenas*

Por Aline Franca

No contexto brasileiro, o termo índio tem sido utilizado genericamente para designar qualquer indivíduo pertencente a um dos muitos povos nativos que habitavam o território nacional à época da colonização europeia ou que possua origens étnicas derivadas destes povos.

Um olhar descuidado sobre os povos indígenas pode levar a crer que estes formam um grupo homogêneo, no entanto, cada povo possui suas próprias características culturais, linguísticas e sociais que os diferem entre si. O último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 constatou que o Brasil conta com mais de 896 mil pessoas indígenas, vivendo dentro ou fora de terras indígenas, 305 etnias, falantes de 274 línguas (IBGE, 2010).

Assim, os povos indígenas devem ser pensados nas suas especificidades, com culturas próprias, que em alguns momentos compartilham de características semelhantes e em outros não.  Durante o período que se estendeu desde a colonização europeia no Brasil até a primeira metade do século XX, os grupos indígenas foram mantidos em uma condição secundária na dinâmica social brasileira. A segunda metade do século XX foi marcada por diversas transformações sociais que legitimaram os direitos dos povos indígenas do Brasil. Estes grupos passaram a ser alvo de políticas indigenistas que visaram proteger e assegurar a continuidade da cultura nativa, tradicionalmente vinculada à oralidade.

Somente a partir da Constituição Federal de 1988, os povos indígenas tiveram seus direitos formalmente reconhecidos, inclusive o respeito à “[...] sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (Brasil, 1988), além da educação básica em sua língua materna. Naquele momento a educação escolar indígena passava a ganhar novas perspectivas. Em 1991 foi sancionado pelo Presidente da República o Decreto nº 26, atribuindo ao Ministério da Educação (MEC) a coordenação das ações referentes à educação escolar indígena, em parceria com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em todos os níveis e modalidades de ensino (Brasil, 1991).

A partir desta medida, foi criado o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, que “trata de fundamentos gerais de ensino e aprendizagem para todo o Ensino Fundamental” (Brasil, 1998, p. 14). Sua finalidade seria garantir uma educação escolar diferenciada que contribuísse para o processo de afirmação étnica e cultural, orientada pela valorização dos saberes milenares e o uso das línguas nativas.

Esta ação também tem o objetivo de oferecer subsídios para a elaboração e implementação de programas de educação escolar que melhor atendam aos anseios e interesses das comunidades indígenas [... e para a] formação de educadores capazes de assumir essas tarefas e de técnicos aptos a apoiá-las e viabilizá-las (Brasil, 1998, p. 13).   A demanda por materiais didáticos e paradidáticos a serem utilizados pelas escolas nas aldeias foi o passo inicial para os primeiros autores indígenas. No entanto, a produção bibliográfica destes grupos se deslocou quanto ao seu propósito inicial, a fim de assumir outras formas de expressão, e atualmente compreende diferentes gêneros textuais como poesias, contos literários, textos informativos, históricos, entre outros.

A prática da escrita nas sociedades indígenas apresentou-se como uma alternativa de manutenção da memória do grupo, um canal de comunicação com outros grupos sociais e, posteriormente, como ferramenta de resistência cultural.  Considerando o tempo histórico, a produção bibliográfica dos povos indígenas pode ser considerada um fenômeno relativamente recente para a realidade brasileira. Entretanto, o crescente número de autores e publicações evidencia não só a força criativa destes povos, como também sua habilidade em apropriar-se de elementos culturalmente característicos de outros grupos para benefício próprio.

Neste ponto, o benefício direto a que se faz referência é a utilização da linguagem escrita, como meio de comunicação com a parcela não indígena da sociedade civil.  Observa-se, portanto, que o avanço da prática escolar nas aldeias foi o passo inicial para o surgimento da autoria indígena em materiais bibliográficos que, a princípio, teria caráter local, com circulação em contextos específicos. A diversificação nos gêneros textuais colaborou para a ampliação de seu alcance, estando presentes tanto em escolas como em diferentes tipos de bibliotecas.

 

*Originalmente publicado como parte da dissertação: FRANCA, A. da S. Do cocar ao catálogo: a representação bibliográfica da autoria indígena no Brasil. 2016. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: http://www.unirio.br/ppgb/arquivo/aline-franca/view. Acesso em: 25 dez. 2023.

 

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: 107  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 27 dez. 2023.

BRASIL. Decreto n. 26, de 4 de fevereiro de 1991. Dispõe sobre a Educação Indígena no Brasil. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0026.htm. Acesso em: 27 dez. 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://www.ufpe.br/remdipe/images/documentos/edu_escolar/ml_07.pdf. Acesso em: 27 dez. 2023.

IBGE. Censo demográfico 2010: características gerais dos indígenas: resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. 244 p.

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