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Abertura

A Independência do Brasil ocorreu formalmente em dois momentos: o primeiro se estende de 16 de dezembro de 1815, com a criação do Reino do Brasil, seguida da coroação do rei D. João como seu primeiro monarca em 1818 no Rio de Janeiro e termina no dia 26 de fevereiro de 1821 com o fim da monarquia absolutista e o juramento antecipado por D. Pedro, em nome do Pai, de uma constituição ainda não escrita. O segundo se dá após o retorno forçado do monarca em 25 de abril de 1821 para Lisboa. Essa partida da Corte culminará com uma segunda independência, e a elevação do Reino a Império do Brasil em 7 de setembro de 1822, rompendo definitivamente a união dinástica com o Reino de Portugal.

Esta exposição mostra o quão importante foi a construção do principal edifício erguido no pela Corte luso-brasileira apenas três anos após sua chegada em 1808, que seria sucessivamente o Real Teatro São João e Teatro Imperial São Pedro de Alcântara. Desde o Triunfo de D. João VI como Rei do Reino Unido de Portugal e Brasil representado no seu palco, passando pelo juramento da Constituição em seu balcão e a apresentação do pavilhão imperial iluminado em seu proscênio.

Julio Bandeira
Curador

 

PRÓLOGO

Na América, e em especial no Brasil, o passado é um outro país. Sua permanência se dá apenas no imaginário como alegoria carnavalesca, uma representação histórica, fantasiosa, cuja identidade se perdera para a memória dos modernos.

A Independência ocorreu em grande parte literalmente no palco do Teatro São João, rebatizado de S. Pedro, o atual João Caetano. O prédio imponente erguido em 1813 no antigo Rocio com as fundações abandonadas de uma Sé nova, que nunca seria erguida no Largo de São Francisco. Isso oferece uma rara oportunidade de unir em uma exposição imagem e música, ópera e hino patriótico.

A importância das festas no cotidiano do Reino Unido tem início em 1817, com a chegada da arquiduquesa Leopoldina. Para homenageá-la, foram erguidos o dossel do desembarque e os três Arcos triunfais, ao longo da antiga rua Direita.

Esta exposição busca mostrar a invenção dos rituais formais e importados da Europa para uma Corte novel, que se dá em dois atos com as duas aclamações: a de Dom João como o primeiro e último rei do Reino Unido e a do primeiro imperador. Na primeira, um rei absolutista vestido com manto de arminho; na segunda, um imperador trajando botas com esporas e um poncho de plumas tiradas dos pássaros empalhados do Museu Nacional.

Os personagens serão apresentados mostrando a Cidade oficial que orbitava em volta do Teatro, com suas construções efêmeras, como a Varanda e o Pavilhão da Aclamação, cenários erguidos para determinadas cerimônias que serão desmontados depois, como os três arcos de triunfo projetados por Grandjean de Montigny e decorados por Jean-Baptiste Debret, e guardados para a próxima festividade.

De seu balcão de cantaria, registrava-se os protagonistas diante do povo tão bem retratado nas figurinhas de brasileiros penteadas por Maria Graham de Guilhobel, estas copiadas por Henry Chamberlain para povoar seu livro. O teatro era o edifício mais imponente da cidade. Em sua alvenaria tomaram forma na pedra e cal detalhes orientais mesclados ao neoclassicismo que são uma alegoria do império português e do povo mestiço que circulava no Rocio, futura praça da Constituição, atual Tiradentes.

DON GIOVANNI NO RIO, UMA ÓPERA PRENÚNCIO DA INDEPENDÊNCIA

Dom Pedro cultuava a lenda napoleônica e fora um leitor de Voltaire, Benjamin Constant e Edmund Burke. Além do arrebatado uniforme militar que trajava no dia de sua Aclamação, um dos sinais de sua admiração pelo Imperador francês estaria no grande  apreço que Dom Pedro, segundo Maria Graham, nutria pelo general-conde Diderik van Hogendorp, um ex-ajudante de campo de Napoleão, cuja fazenda de café visitada pela inglesa estava situada perto do Corcovado. São, porém, os clichés culturais criados a partir da imagem pansexual de George Gordon, Lorde Byron, o herói da Independência da Grécia e autor do poema épico Don Juan, que aproximam o príncipe luso-brasileiro de um acontecimento que anunciava o grande evento do Sete de Setembro de 1822. É nesse contexto que se dá uma estreia que pressagia a Independência, revelando uma interseção cultural e política, e com ela troca entre dois mundos e dois hemisférios.

Entre o juramento antecipado da Constituição e Dia do Fico, foi montada no dia 20 de setembro de 1821, no palco do ainda chamado Real Teatro São João, a première no Brasil e nas Américas de Don Giovanni. Essa revolucionária composição de Wolfgang Amadeus Mozart (Praga, 1787, Viena 1788) inspirada em Don Juan, el burlador de Sevilla y combidado de Piedra, trazia Don Juan para o Rio de Janeiro, esse ser que desconhecia limites morais e fronteiras sociais, recusando-se a um comportamento que obedecesse às regras vigentes ao avançar em novos territórios. É tentador imaginar os efeitos dessa ópera - que não deixa de ser um corolário da enaltação de mudanças - sobre Dom Pedro que, em menos de um ano, faria a Independência da América portuguesa, criando o Império do Brasil, cujas dimensões seriam equivalentes à metade da América do Sul.

A música de Mozart e o libretto de Lorenzo da Ponte fizeram de Don Giovanni “a ópera de todas as óperas”. Ela e seu anti-herói desembarcam no Rio para o que seria a primeira montagem fora da Europa, pela “Compania Italiana”, cinco anos antes de Nova York. Dom Pedro I, que estudara com o austríaco Sigismund Neukomm, possuía, além de um extraordinário senso político, talento musical, sendo de sua autoria o Hino da Independência, cuja letra de Evaristo da Veiga era revolucionária: “Já raiou a Liberdade/ No Horizonte do Brasil (…) Brava Gente Brasileira/Longe vá, temor servil;/Ou ficar a Pátria livre,/Ou morrer pelo Brasil.”

Mas Dom Pedro era dono, também, de uma outra “qualidade” byroniana, a do dom-juanismo: sua descendência por bastardia é espantosa. Um levantamento genealógico feito em 1987, por ocasião de uma exposição no Palácio de Queluz, revela pelo menos seis de suas amantes, todas com descendência. São elas as francesas Noémie Vallency, bailarina, e Henriette Joséphine Clémence, modista, as brasileiras Joana Mosqueira, Domitila de Castro do Canto e Mello, a favorita, Maria Benedita de Castro do Canto e Mello, sua irmã, e a portuguesa Maria Libânia Lobo, em 1833, quando já era casado com a segunda imperatriz, D. Amélia.