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CICLO I - Edições da Divina Comedia

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CICLO I - Edições da Divina Comedia


Iconografia Dantesca

As mais variadas interpretações da Divina Comédia nas figurações artísticas de todos os tempos fazem da ilustração dantesca uma obra coral, enquanto resultado da colaboração de diversos autores que na riqueza poética de Dante encontraram inspiração. Todavia, o que estimula os artistas, ao se depararem com a narrativa poética de Dante, é a forma por ele utilizada para exprimir conceitos teológicos complexos em imagens extremamente fortes, vivazes e compreensíveis. Encontra-se uma confirmação disso nas palavras de Goethe, ao comentar a Divina Comedia: “Encontramos nos seus escritos as coisas mais abstratas e mais curiosas delineadas com tal precisão que nos fazem acreditar serem elas copiadas da natureza. Ele sabia aferrar os objetos tão claramente com o olho da imaginação”.

A riqueza do acervo da Biblioteca Nacional, relacionado à iconografia dantesca, contempla numerosos exemplares dessa produção figurativa, em originais e em reproduções, através dos quais é possível analisar as relações de recíprocas inspirações entre textos e imagens e as influências evidentes ou ocultas.


Dante e o Renascimento

As primeiras representações da Divina Comédia seguem um conceito descritivo. As ilustrações dos pergaminhos e manuscritos se reduzem, muitas vezes, a delicadas miniaturas em volta da letra com
a qual inicia o novo canto. Nos códigos, as imagens produzidas pela técnica da xilografia têm como objetivo facilitar a compreensão da narrativa expressa pelos versos do poema. Desde o final do século XV e ao longo de todo o Renascimento, a Divina Comédia inicia a ser objeto de culto por parte de importantes artistas, por aproximar Dante ao modelo do homem renascentista. Há referência ao divino poema em Luca Signorelli (Cortona, Itália, 1445-1523) nos afrescos da Catedral de Orvieto, em Michelangelo, no Julgamento Universal da Capela Sistina, no Vaticano. Novas edições fazem reviver o poema sob outro olhar, como através das ilustrações de Sandro Botticelli (Firenze, 1445-1510), ou de Strast Jan Der, do artista flamingo denominado, Giovanni Stradone, ou de Federico Zuccaro, entre muitos outros.


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A pequena mostra bibliográfica presente na exposição é resultado de um processo de pesquisa nos acervos da Biblioteca Nacional. A seleção teve como objetivo trazer à tona aquelas edições que
trazem singularidades históricas, como no caso da edição de 1512, com censuras ao poema e aos comentários feitos por Christoforo Landino. Outra preocupação foi destacar os nomes que compõem tais edições e seu papel de comentadores da obra de Dante, visto que suas leituras abrem um campo de investigação muito enriquecedor às futuras pesquisas, trazendo informações relevantes aos expectadores da mostra Dante: poeta de toda a vida.

DEL FIORE, Gioacchino (1130-1202). Da Gioacchino a Dante. Os três círculos divinos. In: TONDELLI, Leone (1883-1953). Il Libro delle figure dell’abate Gioacchino del Fiore. Torino: Società Editrice Internazionale, 1953. Volume 2.
A figura dos três círculos concêntricos, presentes no “codice reggiano” de Il libro delle figure, encontra-se no Canto XXXIII do Paraíso e exprime a Trindade Divina.

PIROLI, Tommaso (1752-1824). O julgamento universal de Michelangelo Buonarrotti na Capela Sistina. Paris: Bocchini, 1808.
Reprodução do desenho do Julgamento Universal de Michelangelo Buonarrotti realizado por Tommaso Piroli. Com o advento do Neoclassicismo, assiste-se à retomada de interesse pelos autores do Renascimento e, por meio deles, a Dante.

PIROLI, Tommaso (1752-1824). O julgamento universal de Michelangelo Buonarrotti na Capela Sistina. Paris: Bocchini, 1808.
Detalhe do Julgamento Universal de Michelangelo Buonarrotti desenhado por Pirolli. A dramaticidade do Divino poema encontra-se no aspecto físico das figuras, no movimento e contorção dos corpos, bem como na expressão dos vultos.

BOTTICELLI, Sandro (1445-1510). Desenho do Inferno. In: STRZYGOWSKI, Josef (1862-1941). Die acht Handzeichungen des Sandro Botticelli zu Dantes Göttlicher Komödie im Vatikan: Ein Suplement zu dem Codex im Kgl. Kupperstichkabinet zu Berlin/ Berlin [Alemanha]: G. Grote'sche, 1887.
Nos desenhos que se referem ao Inferno, sente-se o peso da narração ilustrativa da Idade Média maior do que a leveza do espírito do Renascimento, caraterística da visão do Purgatório e do Paraíso, de Botticelli.

BOTTICELLI Sandro (1445-1510). Canto XXX do Purgatório. In: ALIGHIERI, Dante. Divina Comédia. Cotia/SP: Ateliê; Campinas: Ed. UNICAMP, 2011.
A iniciativa de reeditar o Divino poema com ilustrações de Botticelli foi de Pierfrancesco de Medici (1463-1503). O desenho original em bico de pena, enriquecido pelo uso de lápis de cor sobre pergaminho, encontra-se no Gabinete de Gravura, em Berlim. A chegada de Dante ao Paraíso terrestre possui o fasto da corte dos Médici em Florença.

STRAET JAN van der (1523-1605). Dante: illustrazioni alla Divina Commedia dell’artista fiammingo Giovanni Stradano, 1587, riprodotte in fototipia dall’originale conservato nella Biblioteca Medicea Laurenziana di Firenze. Firenze: Fratelli Alinari, 1893.
Na cena dos centauros – figuras mitológicas cuja função é flechar os danados (Inferno, Canto XII 103-106) – o artista flamengo Strast Jan Der, influenciado pelo Maneirismo, vale-se do realce obtido pela luminosidade para dramatizar a composição clássica naturalística.

ALIGHIERI, Dante. Divina Commedia: Dante con l’espositione di M. Bernardino Daniello da Lucca, sopra la sua Comedia dell’Inferno, del Purgatorio & del Paradiso. Venezia: Pietro da Fino, 1568.
Bernardino Daniello (1500-1565), autor de Poética, foi também comentador de Petrarca e tradutor de Virgílio. O projeto gráfico convida o leitor a uma leitura paralela e dinâmica entre o poema e seu comentário. A decoração da letra inicial em xilografia, como era hábito nas antigas miniaturas, assinala o começo do novo canto.

ALIGHIERI, Dante. Divina Commedia, opere del divino poeta Dante. Venezia: Miser Bernardino Stagnino, 1512.
Edição impressa em Veneza, com comentários de Christoforo Landino (1424-1498), humanista, filósofo e escritor italiano. No frontispício, as imagens relatam a história dessa publicação, desde o desenho em xilografia do bispo São Bernardino até o carimbo da Real Biblioteca Portuguesa. A singularidade dessa edição é ter sido censurada no Canto XI do Inferno para impedir a leitura de determinados versos, trazendo lembrança do clima da Inquisição.

ALIGHIERI, Dante. Divina Commedia, con l’espositione di Christoforo Landino et di Alessandro Vellutello. Venezia: Giovanni Battista & Giovanni Bernardo Sessa, Fratelli, 1596.
O exemplar pertencia a Dawson Turner (1775-1858), botânico, banqueiro e antiquário britânico. Trata-se de uma obra importante na qual se confrontam dois críticos de Dante antagônicos, Christoforo Landino (1424-1498) e Alessandro Vellutello (1473-?). A ilustração ajuda a entender como são colocadas as dez “malebolgie”, cada “bolgia” (fosso) contem um tipo de danados (canto XVII a XXX do Inferno).

ALIGHIERI, Dante. Dante con nuove et uvtili ispositioni/ Aggiuntoui di piú una tauola di tutti i vocabuli più degni d’osseruatione. [M. Alessandroi Vallutello]. Lyon, França: appresso Guglielmo Rouillio, 1551.
Trata-se de um estudo histórico do crítico Vellutello (1473-?) sobre a linguagem dantesca. Nos primeiro livros impressos, o frontispício assume, muitas vezes, a forma de uma composição poética. Junto ao texto que explica o conteúdo da publicação, elementos decorativos sintetizam o sentido do assunto que, nesse caso, é a linguagem de Dante. A imagem gravada em xilografia, na parte em baixo da página, representa uma águia ladeada por duas serpentes. A imagem da águia, ligada por Dante ao Império Romano, se torna símbolo da história. Enquanto as serpentes, por lhe serem atribuídos pela tradição clássica poderes de cura, trazem sabedoria e renovação.