Cidade Marina – a miragem de Oscar Niemeyer para o sertão mineiro
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por Gabriel Oliveira
Como pudemos ver ao longo deste dossiê, tanto a transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília quanto novas propostas desenvolvimentistas e urbanísticas estiveram atreladas à discussão em torno do projeto referente à cidade Marina, no noroeste de Minas Gerais. Porém, desde o final de 1957 até o mês de inauguração de Brasília, em abril de 1960, o tema “Marina” ficou adormecido na imprensa brasileira. A notícia sobre a fundação da nova capital, contudo, motivou um importante movimento para a retomada da divulgação do plano da cidade e para a venda de terrenos da Colônia Agropecuária do Menino. Todas as publicações referentes ao projeto em 1960 fizeram referências diretas à concretização das promessas de JK em relação à capital federal e ao desenvolvimento socioeconômico para o interior do país, como demonstram extratos do periódico Última Hora (1960) e das edições históricas e comemorativas da revista Manchete (1960) e revista Módulo (1960).
Na “Edição Histórica” de Manchete, que documenta o nascimento da nova capital, lançada no mesmo mês da inauguração de Brasília, quatro páginas inteiras deram destaque às propagandas de cidade Marina (Figuras 1, 2, 3 e 4). O espaço dedicado à apresentação do projeto a ser empreendido no noroeste mineiro foi estrategicamente posicionado no miolo central da revista, enaltecendo o momento histórico vivido pelo país com a construção de Brasília. Aqui, é imprescindível perceber o clima de euforia descrito pela revista, e como tal atmosfera permitiu impulsionar os princípios de Marina, vinculando-os com o sonho, agora realizado, de Brasília.




FIGURAS 1, 2, 3 e 4: Imagens da publicidade da cidade Marina na Edição Histórica da revista Manchete . Fonte: Manchete, 1960.[1]
O primeiro ponto destacado na publicidade de Manchete era o estabelecimento, em primeiro plano, do elo entre Marina e Brasília: “Ergue-se no polígono de Brasília a cidade de MARINA, na Colônia Agropecuária do Menino”. Em seguida, a chamada dava visibilidade à autoria arquitetônica e urbanística de Niemeyer: “(...) projetada pelo mesmo arquiteto que acaba de construir a nova capital do Brasil, Oscar Niemeyer” (Manchete, 1960). Além disso, surgiam novos chamarizes discursivos nas peças publicitárias, deslocando o foco de atenção de dentro para fora do país, visando atrair diretamente o público estrangeiro. Neste sentido, na última página da propaganda era realçada a aprovação do projeto do núcleo colonial da Fazenda Menino e o apoio do INIC (Instituto Nacional de Imigração e Colonização), órgão responsável pela fiscalização, pela orientação e pelo controle da imigração no Brasil. Na ocasião, foi apresentado também o contato de uma lista de escritórios com agentes autorizados para a venda de terrenos em Marina em diversos países do mundo, como França, Suíça, Holanda, Alemanha Oriental, Venezuela, Colômbia, Cuba, México, Suriname, Costa Rica, Panamá e Estados Unidos[2].
Com publicidade mais discreta, o jornal Última Hora (Figura 5), por seu turno, mantinha o tom de seu conteúdo atrelado aos grandes feitos da inauguração da capital federal. Na ocasião, abria edição com o título “Cumpre-se a promessa!”, somado a demais textos alusivos a Brasília: “A fé criadora – aliada a um planejamento seguro e a um dinamismo otimista – realizou o impossível”; “Em menos de um lustro, o Brasil avança meio século!”; Cumpre-se a promessa do grande presidente Juscelino Kubitscheck” (Última Hora, 1960).

Figura 5- Destaque no Jornal Última Hora para o êxito da construção de Brasília e sua relação com a Cidade Marina - “projetada pelo mesmo arquiteto que acaba de construir a nova capital do Brasil”.
Por ser um dos mais relevantes meios de difusão da arquitetura e do urbanismo de vanguarda no Brasil, a revista Módulo também proporcionou grande espaço para a divulgação da idealização, da construção e da inauguração de Brasília. Com esse pretexto, a edição de número de 18 da revista, de junho de 1960, voltaria a dar publicidade à cidade Marina, quatro anos depois da primeira aparição do projeto no periódico. Em 1960, já com a oficialização da inauguração de Brasília, tendo como base o Plano Piloto elaborado por Lúcio Costa e o papel protagonista de Oscar Niemeyer na concepção e na idealização da cidade, Módulo 18, assim como a edição especial de Manchete, dedicava parte do seu espaço à repercussão do lançamento da nova capital[3].
Inserida nesse contexto da concretização de Brasília, a publicidade ocupou também quatro páginas completas na revista, junto ao “caderno especial de publicidade Brasília”. O conteúdo, em si, não possuía muitas diferenças daquilo que já havia sido veiculado ali em 1956 (ver módulo 2 deste Dossiê: “A concepção urbanística de Marina”), contendo, assim, o desenho técnico do plano da cidade, o mapa de sua localização, um texto descritivo do plano diretor assinado por Niemeyer (agora também com sua versão em inglês) e uma maquete gráfica. A modificação mais relevante, em 1960, estava na inclusão de um texto em homenagem a JK (exatamente o mesmo publicado em Última Hora) e de uma página estreitando as relações entre Marina e Brasília (Figuras 6 e 7).


Figuras 6 e 7 - No número 18 da Revista Módulo, o projeto da Cidade Marina voltaria a ser veiculado novamente, quatro anos depois da primeira publicação na revista . Desta vez, a Colônia Agrícola e Urbanizadora S.A. presta homenagem ao presidente JK e joga luz ao trabalho “genial” de Oscar Niemeyer.
Apesar da relevância, da qualidade das peças publicitárias e do espaço que a cidade Marina ocupou nessas edições especiais sobre a inauguração da nova capital federal, a década de 1960 registrou a divulgação do projeto muito mais tímida, em comparação com a década anterior. Logo após a campanha ligada à fundação de Brasília, a quantidade de inserções e a variedade de periódicos ficaram mais circunscritas, mesmo quando possuíam novos e interessantes elementos para exposição.
Até então ausente do debate sobre a nova cidade que surgiria no Vale do Urucuia, o tradicional periódico carioca Jornal do Brasil passaria a ser um dos responsáveis pela divulgação de cidade Marina a partir de 1962, juntamente com o também carioca Correio da Manhã. Apesar das repercussões diretamente conectadas com a inauguração de Brasília, descritas nos parágrafos acima, a maioria das menções sobre o projeto naquela década se deu nos anos de 1962 e 1963, revelando uma guinada estratégica da CAUSA na forma de anunciar as terras à venda em Marina e no argumento utilizado para o convencimento do público. Tais mudanças marcam os últimos esforços dos idealizadores em relação à campanha publicitária de cidade Marina na imprensa brasileira, como veremos no último módulo deste dossiê.
[1] Uma curiosidade marca também a página de abertura da publicidade da Cidade Marina nessa edição da Revista Manchete, e que seria também replicada no Última Hora (1960), no mesmo mês de abril de 1960. A moça sorridente segurando o cesto de frutas e legumes é Carmen Marina, filha da primeira diretora-presidente da CAUSA, Marina Ramona Martins Gomes (Figura 1).
[2] A mensagem direcionada ao público internacional era clara e incisiva quanto às oportunidades do negócio: “O Brasil é o recanto tranquilo onde você edificará o futuro de sua família. No Brasil, você planta centenas de cruzeiros para colher milhões” (Manchete, 1960).
[3] Textos seminais foram originalmente publicados neste número 18, em versão bilíngue português-inglês, com grande repercussão ao longo dos anos no país, como o artigo “Brasília e o desenvolvimento nacional”, de autoria do filósofo e político Roland Corbisier; “Minha experiência de Brasília”, escrito por Niemeyer; “Brasília: evolução histórica de uma ideia”, de Raul de Sá Barbosa; e o “Relatório do Plano Piloto de Brasília”, plano urbanístico elaborado por Lúcio Costa, em 1957, na ocasião do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil.
Na “Edição Histórica” de Manchete, que documenta o nascimento da nova capital, lançada no mesmo mês da inauguração de Brasília, quatro páginas inteiras deram destaque às propagandas de cidade Marina (Figuras 1, 2, 3 e 4). O espaço dedicado à apresentação do projeto a ser empreendido no noroeste mineiro foi estrategicamente posicionado no miolo central da revista, enaltecendo o momento histórico vivido pelo país com a construção de Brasília. Aqui, é imprescindível perceber o clima de euforia descrito pela revista, e como tal atmosfera permitiu impulsionar os princípios de Marina, vinculando-os com o sonho, agora realizado, de Brasília.




FIGURAS 1, 2, 3 e 4: Imagens da publicidade da cidade Marina na Edição Histórica da revista Manchete . Fonte: Manchete, 1960.[1]
O primeiro ponto destacado na publicidade de Manchete era o estabelecimento, em primeiro plano, do elo entre Marina e Brasília: “Ergue-se no polígono de Brasília a cidade de MARINA, na Colônia Agropecuária do Menino”. Em seguida, a chamada dava visibilidade à autoria arquitetônica e urbanística de Niemeyer: “(...) projetada pelo mesmo arquiteto que acaba de construir a nova capital do Brasil, Oscar Niemeyer” (Manchete, 1960). Além disso, surgiam novos chamarizes discursivos nas peças publicitárias, deslocando o foco de atenção de dentro para fora do país, visando atrair diretamente o público estrangeiro. Neste sentido, na última página da propaganda era realçada a aprovação do projeto do núcleo colonial da Fazenda Menino e o apoio do INIC (Instituto Nacional de Imigração e Colonização), órgão responsável pela fiscalização, pela orientação e pelo controle da imigração no Brasil. Na ocasião, foi apresentado também o contato de uma lista de escritórios com agentes autorizados para a venda de terrenos em Marina em diversos países do mundo, como França, Suíça, Holanda, Alemanha Oriental, Venezuela, Colômbia, Cuba, México, Suriname, Costa Rica, Panamá e Estados Unidos[2].
Com publicidade mais discreta, o jornal Última Hora (Figura 5), por seu turno, mantinha o tom de seu conteúdo atrelado aos grandes feitos da inauguração da capital federal. Na ocasião, abria edição com o título “Cumpre-se a promessa!”, somado a demais textos alusivos a Brasília: “A fé criadora – aliada a um planejamento seguro e a um dinamismo otimista – realizou o impossível”; “Em menos de um lustro, o Brasil avança meio século!”; Cumpre-se a promessa do grande presidente Juscelino Kubitscheck” (Última Hora, 1960).

Figura 5- Destaque no Jornal Última Hora para o êxito da construção de Brasília e sua relação com a Cidade Marina - “projetada pelo mesmo arquiteto que acaba de construir a nova capital do Brasil”.
Por ser um dos mais relevantes meios de difusão da arquitetura e do urbanismo de vanguarda no Brasil, a revista Módulo também proporcionou grande espaço para a divulgação da idealização, da construção e da inauguração de Brasília. Com esse pretexto, a edição de número de 18 da revista, de junho de 1960, voltaria a dar publicidade à cidade Marina, quatro anos depois da primeira aparição do projeto no periódico. Em 1960, já com a oficialização da inauguração de Brasília, tendo como base o Plano Piloto elaborado por Lúcio Costa e o papel protagonista de Oscar Niemeyer na concepção e na idealização da cidade, Módulo 18, assim como a edição especial de Manchete, dedicava parte do seu espaço à repercussão do lançamento da nova capital[3].
Inserida nesse contexto da concretização de Brasília, a publicidade ocupou também quatro páginas completas na revista, junto ao “caderno especial de publicidade Brasília”. O conteúdo, em si, não possuía muitas diferenças daquilo que já havia sido veiculado ali em 1956 (ver módulo 2 deste Dossiê: “A concepção urbanística de Marina”), contendo, assim, o desenho técnico do plano da cidade, o mapa de sua localização, um texto descritivo do plano diretor assinado por Niemeyer (agora também com sua versão em inglês) e uma maquete gráfica. A modificação mais relevante, em 1960, estava na inclusão de um texto em homenagem a JK (exatamente o mesmo publicado em Última Hora) e de uma página estreitando as relações entre Marina e Brasília (Figuras 6 e 7).


Figuras 6 e 7 - No número 18 da Revista Módulo, o projeto da Cidade Marina voltaria a ser veiculado novamente, quatro anos depois da primeira publicação na revista . Desta vez, a Colônia Agrícola e Urbanizadora S.A. presta homenagem ao presidente JK e joga luz ao trabalho “genial” de Oscar Niemeyer.
Apesar da relevância, da qualidade das peças publicitárias e do espaço que a cidade Marina ocupou nessas edições especiais sobre a inauguração da nova capital federal, a década de 1960 registrou a divulgação do projeto muito mais tímida, em comparação com a década anterior. Logo após a campanha ligada à fundação de Brasília, a quantidade de inserções e a variedade de periódicos ficaram mais circunscritas, mesmo quando possuíam novos e interessantes elementos para exposição.
Até então ausente do debate sobre a nova cidade que surgiria no Vale do Urucuia, o tradicional periódico carioca Jornal do Brasil passaria a ser um dos responsáveis pela divulgação de cidade Marina a partir de 1962, juntamente com o também carioca Correio da Manhã. Apesar das repercussões diretamente conectadas com a inauguração de Brasília, descritas nos parágrafos acima, a maioria das menções sobre o projeto naquela década se deu nos anos de 1962 e 1963, revelando uma guinada estratégica da CAUSA na forma de anunciar as terras à venda em Marina e no argumento utilizado para o convencimento do público. Tais mudanças marcam os últimos esforços dos idealizadores em relação à campanha publicitária de cidade Marina na imprensa brasileira, como veremos no último módulo deste dossiê.
[1] Uma curiosidade marca também a página de abertura da publicidade da Cidade Marina nessa edição da Revista Manchete, e que seria também replicada no Última Hora (1960), no mesmo mês de abril de 1960. A moça sorridente segurando o cesto de frutas e legumes é Carmen Marina, filha da primeira diretora-presidente da CAUSA, Marina Ramona Martins Gomes (Figura 1).
[2] A mensagem direcionada ao público internacional era clara e incisiva quanto às oportunidades do negócio: “O Brasil é o recanto tranquilo onde você edificará o futuro de sua família. No Brasil, você planta centenas de cruzeiros para colher milhões” (Manchete, 1960).
[3] Textos seminais foram originalmente publicados neste número 18, em versão bilíngue português-inglês, com grande repercussão ao longo dos anos no país, como o artigo “Brasília e o desenvolvimento nacional”, de autoria do filósofo e político Roland Corbisier; “Minha experiência de Brasília”, escrito por Niemeyer; “Brasília: evolução histórica de uma ideia”, de Raul de Sá Barbosa; e o “Relatório do Plano Piloto de Brasília”, plano urbanístico elaborado por Lúcio Costa, em 1957, na ocasião do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil.