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Cidade Marina – a miragem de Oscar Niemeyer para o sertão mineiro

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A concepção urbanística de Marina

por Gabriel Oliveira
Apesar de o projeto da cidade Marina ter contado com ampla divulgação na imprensa desde o ano de 1955, a edição de número 6 da Módulo, Revista de Arquitetura e Artes Plásticas, de 1956, pode ser interpretada como uma espécie de lançamento simbólico do projeto da cidade, nacionalmente. Tendo como diretor o próprio Oscar Niemeyer e aproveitando seu grande prestígio não apenas no universo da arquitetura, mas também no do design, das artes e do campo artístico-cultural no geral, a edição da revista[1] expunha o projeto em moldes publicitários, dedicando ao mesmo seis páginas que detalhavam seus ideais, atrelando seu papel na afirmação e difusão da arquitetura moderna brasileira.



Figura 1 - Capa da edição de número 6 da revista Módulo, onde foi apresentado o projeto e plano diretor da Cidade Marina. Fonte: Módulo, 1956.



Figura 2 - Mosaico de capas da revista Módulo, entre 1955 e 1959.

Em larga medida, os aspectos urbanísticos projetados para a cidade estiveram orientados pela síntese do plano diretor assinado por Oscar Niemeyer e sua equipe[2], divulgados na seção de abertura da revista Módulo. Segundo a descrição apresentada pelos arquitetos, a planta geral do projeto seria dividida entre a cidade e a colônia agropecuária, com o objetivo de instalar no local “um sistema de vida humano e feliz, integrado à natureza que aproveita e enriquece” (Módulo, 1956). O plano diretor da cidade previa uma população de 200 mil habitantes, que ocupariam os 90 mil hectares da Fazenda Menino – quase três vezes a área de Belo Horizonte. Para análise desses princípios urbanísticos e do panorama da idealização da cidade, reproduzimos abaixo integralmente o texto relativo ao plano diretor:

 
O Plano Diretor da cidade MARINA é resultante de fatores sociais, físicos, econômicos, administrativos, etc. Dêles decorre, simples e lógico, procurando estabelecer para a Cidade um sistema de vida humana e feliz, integrado na natureza que aproveita e enriquece.
Com previsão para uma cidade de 200.000 habitantes, o Plano Diretor de MARINA prevê um zoneamento criterioso que, dividindo a cidade em zonas distintas, habitação, indústria, agricultura, recreação, centro de cultura e saúde, permita o seu desenvolvimento futuro dentro de um esquema funcional.
Todas as habitações, coletivas ou não, estão divididas em zonas vicinais providas de escolas, creches, ginásios, clube, mercado, igreja, etc. com circulação de pedestres e veículos rigorosamente classificada, a fim de permitir, em cada caso, ligação própria e independente das habitações com os serviços complementares mencionados.
Mesmo nas áreas de habitação privada, atendendo a êsse princípio, foram os lotes projetados entre duas vias de acesso, a primeira reservada aos veículos, e a segunda, que constitui pequenos parques, para circulação de pedestres.
Êste critério foi também adotado nos demais setores da cidade o que vem garantir aos seus habitantes um sentido de calma e segurança tão raro nas cidades modernas.
Cercados de parques, jardins e vegetação abundante, os blocos de habitação coletiva estão integrados no seu verdadeiro objetivo, que é aproximar o homem da natureza para lhe propiciar um ambiente natural e sadio.
Na parte central do conjunto, destaca-se o Centro Cívico onde se encontram os órgãos de sua vida social: elementos de cultura, economia, trabalho e diversão, que deverão orientar e conduzir a coletividade dentro de um melhor nível de conforto e bem estar (Módulo, 1956).



Figura 3 - Memorial descritivo da Cidade Marina, datilografado e assinado por Oscar Niemeyer e sua equipe técnica. Fonte: Instituto Tom Jobim.

Além do texto síntese do plano apresentado acima, a edição da revista ainda contava com a descrição dos princípios modelares da cidade, dentre os quais a contextualização geográfica da região, uma maquete gráfica (Figura 4 ) e os desenhos técnicos do projeto (Figura 5)*.



Figura 4 - Maquete gráfica da Cidade Marina projetada por Oscar Niemeyer e equipe Fonte: Módulo (1956)



Figura 5 - Desenho Técnico da Cidade Marina. Fonte: Módulo, 1956
 

* Sobre o desenho técnico que acompanha o plano diretor, há um detalhamento do esboço urbanístico dividido por segmentos, como pode ser observado na Figura 6 . No nível superior da imagem está destacado o Centro Cívico, onde se localizariam os edifícios públicos, teatros, cinemas, um museu, uma biblioteca, lojas e restaurantes. Na sequência inferior seria constituída a “cidade vertical”, com edifícios de apartamentos de 8 a 10 pavimentos (seta amarela), entremeada por um espaço para “escolas, mercados, ginásios, clubes, creches, esportes, etc.” (seta verde), antes da “cidade horizontal”. Esta (seta azul) seria integralmente composta por residências e contaria com grandes unidades habitacionais múltiplas e quatro unidades de vizinhança de casas unifamiliares (A, B, C e D). Cada unidade seria dividida em duas partes iguais por uma área destinada ao tráfego de pedestres até escolas, lojas, clubes e instalações esportivas. Conforme sinalizado na parte inferior da figura, ainda haveria espaço para uma “cidade industrial” (seta rosa) e uma “zona industrial” (seta laranja), caracterizando o quadro geral do plano diretor.



Figura 6 - Desenho técnico base do plano diretor. Legenda: Centro Cívico (seta vermelha); Cidade Vertical (seta amarela); Escolas, mercados, ginásios, clubes, creches, esportes (seta verde); Cidade Horizontal (seta azul); Cidade industrial (seta rosa); Zona industrial (seta laranja). Fonte: Adaptado de Módulo, 1956.

 

[1] A Revista Módulo representava naquele período uma das principais revistas de arquitetura do Brasil, ao lado da Revista Acrópole e Habitat.

[2] Os outros arquitetos que assinam o plano diretor são Nauro Esteves, José Reis Lopes da Silva e Marcos Jaimovich (Módulo, 1956).

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