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Literatura Matriz Afro-Brasileira

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Bibliotecários Escritores

por Cintia Almeida da Silva Santos, Marcel Pereira Santos
Bibliotecários-escritores: a literatura infantil antirracista afro-brasileira como instrumento biblioteconômico, social e literário

A Biblioteconomia e a Ciência da Informação fazem parte de nossa caminhada há mais de vinte e cinco anos, somos um casal de bibliotecários e há três anos nos tornamos também um casal antirracista de escritores.

A maternidade e a paternidade que foram buscadas e agraciadas por nós no ano de 2018 suscitou reflexões e ações que despertaram um processo de letramento racial, de leituras - sobretudo das escritas femininas negras - de composição de repertório e por conseguinte, de escritas afro-brasileiras para crianças e adultos.

Como bibliotecários, conhecemos e acreditamos no poder da palavra, no da escrita e do livro. Acreditamos nesses artefatos e tecnologias que podem ser compreendidos como instrumentos que viabilizam uma compreensão dilatada e respeitosa de mundo.

Acreditamos também na importância de instituições de ensino, dos equipamentos culturais como: bibliotecas, museus, centros de informação e fontes de acesso aberto, como espaços de acesso e democratização da informação e do conhecimento.

Nos enxergarmos hoje nas buscas dos catálogos on-line de acesso público (OPACs) é de uma satisfação e de uma responsabilidade tamanhas, pois há mais de vinte e cinco anos catalogamos obras dos mais variados gêneros, com as mais diferentes e inusitadas propostas e todas elas apresentam um objetivo: serem lidas e é isso que queremos, que nossas obras sejam adquiridas, catalogadas, circuladas, lidas e ecoadas, pois, acreditamos no poder dos livros.

Acreditamos também na responsabilidade social do profissional da informação, que atua como mediador, nos mais diversos ambientes e propósitos.

Discorrendo um pouco sobre as obras publicadas, elas são para crianças e também para adultos, se apresentam como literatura antirracista afro-brasileira pois são escritas por pessoas negras, no percorrer do letramento racial, sendo as obras cuidadosamente pensadas e produzidas para não reproduzir estereótipos que reforcem o racismo.

São obras que enaltecem a cultura afro-brasileira, enaltecem a ancestralidade e discorrem sobre cotidianidades negras não estereotipadas.

No ano de 2021 o primeiro livro foi lançado ‘Minha mãe usa touca de cetim’, escrito por Cintia Almeida da Silva Santos @soulcrespa2020, ilustrado por Luiz Gustavo Paulino de Almeida @imluizgustavo e publicado pela Editora Letraria @letraria.editora, com link para download gratuito.

Figura 1 - Capa do livro: “Minha mãe usa touca de cetim”

Fonte: Cintia Santos (2021).


Esse primeiro livro apresenta um diálogo entre filho e mãe sobre a importância de aceitação de nossa beleza, dos nossos cabelos cacheados e crespos, discorre também sobre os afetos e as relações familiares, sobre ancestralidade, poesia, enaltece e divulga as escritoras negras Conceição Evaristo e bell hooks, de forma poética e rimada.

A touca de cetim, se apresenta como um artefato familiar de cuidado, de afeto, de identidade e de resgate de nossas origens.

Em 2023 o segundo livro foi lançado ‘Meu pai também usa touca de cetim?’ escrito por Cintia Almeida da Silva Santos e Marcel Pereira Santos @marcellll, ilustrado por Luiz Gustavo Paulino de Almeida e publicado pela editora Letraria, com link para download gratuito.

No segundo livro, há uma sequência do diálogo iniciado na primeira obra, dessa vez pai e filho discorrem sobre assuntos como machismo e paternidade ativa e ancestralidade. A escritora negra homenageada na obra foi Chimamanda Ngozi Adichie.

Algumas preocupações circundaram o processo de estabelecimento das obras, tais como: projetos ilustrativos alegres e atrativos, identitários-pessoais e continuados, ou seja, as personagens são as mesmas e aparecem na sequência das obras.

Figura 2 - Capa do livro: “Meu pai também usa touca de cetim”

Fonte: Marcel Santos e Cintia Santos (2023).


Ainda sobre as personagens, é oportuno ressaltar o sentido que a escrevivência – termo cunhado por Conceição Evaristo, se manifesta no conjunto da obra, as personagens: são nosso filho Lucas, nós: mãe e pai e a vovó Lúcia, que é quem confecciona as toucas de cetim. Uma família preta sem estereótipos, em suas cotidianidades de angústia, de busca, de afeto, de identificação.

Outra preocupação nossa foi a de disponibilizar obras em formato impresso com valores acessíveis para venda e em formato eletrônico disponível para download gratuito.

Enquanto pessoas negras e profissionais da informação, prometemos colaborar entre outras coisas, nos processos que auxiliem no estabelecimento da dignidade humana, sendo o acesso à informação, um direito vital para um bem viver digno, manifestado inclusive na Constituição Brasileira.

A literatura infantil antirracista afro-brasileira, como instrumento afetivo-pedagógico tem o poder de auxiliar a sociedade na compreensão de um mundo respeitoso e plural, esse é também nosso desejo, que nossas crianças, sobretudo as crianças pretas desde a primeira infância tenham acesso à literatura antirracista escrita por pessoas negras.

Poder propiciar esse tipo de literatura para a sociedade para nós - pessoas negras - escritores e profissionais da informação é duplamente satisfatório, pois nos impulsiona nos aspectos:

- biblioteconômicos: na medida em que podemos rever nossas condutas laborais, enegrecer nossos acervos e realizar uma política de citação afro-brasileira;

- literários: na medida em que podemos dialogar com outras obras literárias, realizar atividades em instituições de ensino, articular ampla divulgação das obras publicadas;

- familiares: na medida em que poderemos oferecer ao nosso filho Lucas e aos demais familiares discursos e narrativas que enalteçam a negritude.

Neste sentido, há um entusiasmo de um porvir profícuo, equânime e antirracista, portanto, devemos seguir em diferentes frentes.

Referências

SANTOS, C. A. S. Minha mãe usa touca de cetim. Ilustração de Luiz Gustavo Paulinho de Almeida. Araraquara, SP: Letraria, 2021. Disponível em: https://www.letraria.net/minha-mae-usa-touca-de-cetim/  . Acesso em 07 nov. 2023.

SANTOS, M. P.; SANTOS, C. A. S. Meu pai (também) usa touca de cetim. Ilustração de Luiz Gustavo Paulinho de Almeida. Araraquara, SP: Letraria, 2023. Disponível em: https://www.letraria.net/meu-pai-tambem-usa-touca-de-cetim/ . Acesso em 07 nov. 2023.

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