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Literatura Matriz Afro-Brasileira

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Literatura Antirracista e a Infância

A primeira infância é a fase que compreende a concepção do bebê até seus seis anos de idade. Esse período é de extrema importância para a formação da personalidade e das experiências do indivíduo. Linhares (2021) destaca que “investir na primeira infância é como vacinar a sociedade para o desenvolvimento humano”, tamanhos os benefícios que a sociedade recebe.

É na primeira infância que o cérebro humano desenvolve a maior parte das ligações entre seus neurônios, período em que a criança adquire movimentos, desenvolve habilidades e capacidades de aprendizado, assim como interações sociais e afetivas (Direito Familiar, 2017).

Isto posto, todo o repertório que a criança acessa e partilha na primeira infância cria conexões que farão parte de sua trajetória: quanto mais diverso for o acesso à literatura, melhor ela será absorvida. Ressalta-se aqui a importância de uma curadoria das obras apresentadas, pois a filtragem de conteúdos é uma responsabilidade dos familiares e/ou cuidadores. A escola deve proporcionar a leitura de autores antirracistas desde os primeiros anos.

É oportuno trazer para o contexto o contributo de Chimamanda na palestra[1] realizada no TED[2] em 2009, em que ela destaca o perigo de uma história única e manifesta também a importância que circunda uma história apresentada.

Histórias e narrativas têm poder e se as crianças, na primeira infância, só são apresentadas e interagem com uma tipologia única de história, essa vai ser a construção que ela carregará durante toda sua trajetória.

Histórias importam, pois elas possuem o poder de solidificar, construir ou destruir pessoas, culturas e povos (Adichie, 2019). Então, por que não apresentar histórias e narrativas diversas para as crianças, já na primeira infância? Por que não apresentar obras literárias afro-brasileiras com protagonismo infantil negro?

Kilomba (2019), em sua obra ‘Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano’, discorre sobre sermos sujeitos, sobre a importância de revelarmos as macro e micro violências que nossos corpos negros há muito sofrem, sobre existirmos, sobre nossa filosofia, ancestralidade, sobre nossos contributos. A autora destaca também questões relacionadas com a língua enquanto instrumento de poder e de violência colonial.

Manter uma única narrativa posta, apresentar uma única narrativa às crianças é corroborar com a violência colonial, é negar às crianças o acesso às diferentes histórias e culturas, é tolher possibilidades.

As argumentações de Kilomba (2019) se aglutinam aos constructos de Adichie (2019): histórias importam, somos sujeitos, existimos, produzimos e nossas produções precisam chegar aos mais variados lugares. Escola é campo de disseminação, de partilha. Outras narrativas precisam circular dentro e fora das escolas, nossas produções existem e precisam circular.

As crianças, desde a primeira infância, precisam conhecer obras que apresentem personagens negras em papel de destaque, como protagonistas, heroínas, príncipes e princesas, em situações de normalidade, de afeto, de dignidade e de acolhimento.

Personagens negras no contexto de múltiplas narrativas representam possibilidades de existências diversas. Contudo, é necessário observar que não cabe e muito menos deve ser recomendada a literatura que ridicularize pessoas negras, que utilize expressões racistas e tampouco que enalteça processos escravizadores e discriminatórios.

Por outro lado, é aconselhável e necessário apresentar personagens negras que tenham suas características e fenótipos enaltecidos, que tenham suas histórias cercadas de beleza, ancestralidade, afeto e dignidade, pois as crianças negras precisam se enxergar nas narrativas de forma positiva e inspiradora e as crianças não negras precisam enxergar a pluralidade da beleza e das histórias dos diferentes povos. Precisam, enfim, compreender a real necessidade do amplo acesso a oportunidades para todas as pessoas.

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[1] Palestra disponível em: https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt

[2] Acrônimo de Technology, Entertainment and Design - TED: organização sem fins lucrativos que objetiva compartilhar conhecimento através de ‘talks’ - modelo de palestras mais curtas e com um único tópico. Informações disponíveis em: https://www.ted.com/

 

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