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Tradução de Cantos e Narrativas dos Povos Originários para o português…

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Por Nós Mesmos...

Franca e Silveira (2014) contextualizam que desde a colonização até meados do século XX os povos indígenas constituíam a temática de inúmeras obras artísticas, literárias e antropológicas. Mas, não eram representados pelos seus próprios membros, eram mais relatores que transmitiam seu conhecimento oralmente para outros que o fixavam na escrita. Esse cenário mudou a partir da década de 1980 com a demanda de materiais didáticos para as escolas indígenas. Naquele momento tanto as histórias das próprias tribos eram escritas por seus membros. Além disso, os indígenas passaram a criar outras histórias.

Quando o indígena escreve histórias do seu povo, temos um registro do conhecimento coletivo, o registro da ancestralidade em um documento. Diferente de quando ele cria suas próprias histórias. No âmbito da Biblioteconomia têm-se dois tipos de autoria: a autoria oriunda de uma entidade coletiva e a autoria pessoal.

Sendo assim, conhecer e identificar o documento a ser representado e seus responsáveis vai além de ler e aplicar uma regra biblioteconômica. Para se representar é necessário compreender todo o contexto de produção de um conhecimento. No caso da entidade coletiva, utilizando o exemplo de conhecimento indígena, se o catalogador não compreender como se constrói um conhecimento indígena, provavelmente não representará o Povo indígena como sendo o responsável intelectual de um documento. Essa ausência de reconhecimento do Povo como criador daquele saber implica a falta de representação da sociedade, e, portanto, impede o exercício de seu papel social e a preservação da memória. Por isso, entender a diferença entre os conceitos e uso dos termos “escritor”, “autor”, “autor coletivo” e “autor pessoal” pode resultar num registro bibliográfico mais preciso e representativo dos povos indígenas.

As entidades coletivas, portanto, possuem características bem amplas, pois se esforçam em abarcar uma variedade muito grande de organizações e grupos. Porém, como contraponto, as entidades coletivas também abordam muitas especificidades. Por exemplo, o conhecimento indígena de uma comunidade específica pode ser representado a partir da padronização daquele Povo Indígena, muitos autores indígenas, inclusive, adotam como o sobrenome (numa visão ocidental) o nome de seu Povo (Franca, 2016).

Nesse movimento de conhecimento coletivo, Esbell (2019) relata a construção de Macunaíma pelos brancos. Primeiro Akuli relatou para Koch-Grünberg muitas histórias do Povo Makuki, que gostava tanto de ouvir as histórias que anotava tudo. Depois, Mario de Andrade, conhecendo a obra de Koch-Grünberg, cria a sua própria obra, publicada em 1928. Em 2018, em meio as comemorações dos 90 anos da obra de Mário de Andrade, um grupo reunido pela pesquisadora Deborah Goldemberg planejou a elaboração de um livro, que foi publicado em 2019 com o título Makunaimã (Taurepang et al., 2019).

Como dito anteriormente, Akuli é o nome da nova categoria de prêmio inaugurada em 2023 pela FBN para premiar a fixação de cantos ancestrais e narrativas da oralidade (Prêmio, 2023a). O livro premiado em 2023 na Categoria Histórias de Tradição Oral – Prêmio Akuli: foi a obra intitulada "Jenipapos - Diálogos Sobre Viver” da Editora MINA Comunicação e Arte, com organização de Daniel Munduruku, Darlene Yaminalo Taukane, Isabella Rosado Nunes e Mauricio Negro. Trata-se de uma coletânea com textos de Ailton Krenak, Alik Wunder, Allan da Rosa, Angela Dannemann, Beleni Grando, Bruno Kaingang, Conceição Evaristo, Cristine Takuá, Daniel Munduruku, Darlene Yaminalo Taukane, Dona Liça, Dona Vanda Pajé, Edson Kayapó, Eliane Potiguara, Isabella Rosado Nunes, Mauricio Negro, Trudruá Dorrico, Yaguarê Yamã (Prêmio, 2023b).

Assim, os cantos e narrativas passam a ser traduzidos para o português, a oralidade é registrada em palavras. O protagonismo está com os atores corretos: os povos originários que contam e recontam seus enredos, na busca pela ressignificação de suas próprias histórias.

 

Referências

ESBELL, Jaider. Makunaimã: o mito através do tempo. Galeria Jaider Esbell, 13 set. 2019. Disponível em: http://www.jaideresbell.com.br/site/2019/09/13/makunaima-o-mito-atraves-do-tempo/. Acesso em: 24 dez. 2023.

FRANCA, A. da S. Do cocar ao catálogo: a representação bibliográfica da autoria indígena no Brasil. 2016. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: http://www.unirio.br/ppgb/arquivo/aline-franca/view. Acesso em: 25 dez. 2023.

FRANCA, Aline; SILVEIRA, Naira. A representação descritiva e a produção literária indígena brasileira. TransInformação, Campinas, v. 26, n. 1, p. 67-76, jan./abr., 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tinf/a/Sw9dF3yQ43JZRZgR7mkttWQ/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 25 dez. 2023.

PRÊMIO literário da Biblioteca Nacional tem inscrições abertas. [Notícias FBN], Rio de Janeiro, 26 jun. 2023a. Disponível em: https://www.gov.br/bn/pt-br/central-de-conteudos/noticias/premio-literario-da-biblioteca-nacional-tem-inscricoes-abertas. Acesso em: 19 dez. 2023.

PRÊMIO literário da Biblioteca Nacional será entregue nesta sexta (8), com anúncio de novas categorias. [Notícias FBN], Rio de Janeiro, 05 dez. 2023b. Disponível em: https://www.gov.br/bn/pt-br/central-de-conteudos/noticias/premio-literario-biblioteca-nacional-2023-sera-entregue-nesta-sexta-8-com-anuncio-de-novas-categorias-2. Acesso em: 25 dez. 2023.

TAUREPANG et al. Makunaimã: o mito através do tempo. Ilustrações de Jaider Esbell. São Paulo: Elefante, 2019.

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