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O Sentido da Colonização

“Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo ‘sentido’. Este se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo. Quem observa aquele conjunto, desbastando-o do cipoal de incidentes secundários que o acompanham sempre e o fazem muitas vezes confuso e incompreensível, não deixará de perceber que ele se forma de uma linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em ordem rigorosa, e dirigida sempre numa determinada orientação. (...) Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto.”

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Martins, 1942, p. 13-26.


A Primeira Edição

Um clássico da historiografia brasileira e obra de maior fôlego de Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo foi ilustrado em sua primeira edição com estampas reproduzidas da Enciclopédia de Diderot e d’Alembert. Esta ilustração do Engenho de Açúcar é uma delas.

Uma aproximação iluminista entre conhecimento e libertação? Seguindo a intenção do editor, esta seção reproduz trechos da obra com imagens presentes no acervo da BN.

Publicado em 1945, este livro é uma reelaboração da seção “Vida Material”, já presente em Formação do Brasil contemporâneo (de 1942).

Seguindo a intenção do editor de Formação do Brasil contemporâneo, são reproduzidos nesta seção alguns trechos marcantes das duas principais obras de história de Caio Prado, ilustrados com imagens pertencentes ao acervo iconográfico da Fundação Biblioteca Nacional.

Escravidão

“Naturalmente o que antes de mais nada, e acima de tudo, caracteriza a sociedade brasileira de princípios do século XIX, é a escravidão. Em todo lugar onde encontramos tal instituição, aqui como alhures, nenhuma outra levou-lhe a palma na influência que exerce, no papel que representa em todos os setores da vida social. (...) Roma não teria sido o que foi se não contasse com o que lhe trouxeram seus escravos, recrutados em todas as partes do mundo conhecido, e que nela concentraram o que então havia de melhor e culturalmente mais elevado. Muito lhes deveu e muito deles aprendeu a civilização romana. (...) Na América, pelo contrário, a que assistimos? Ao recrutamento de povos bárbaros e semibárbaros, arrancados do seu habitat e incluídos, sem transição, numa civilização inteiramente estranha. E aí que os esperava? A escravidão no seu pior caráter, o homem reduzido à mais simples expressão, pouco senão nada mais que o irracional... Nada mais se queria dele, nada mais se pediu e obteve que sua força bruta, material.”

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo : Martins, 1942, p.p. 267-270.


Os Ciclos Econômicos

Pau Brasil

“Que interesse tinha para eles [portugueses] uma terra praticamente habitada por tribos nômades ainda na idade da pedra, e que nada podia oferecer? Assim mesmo, contudo, o espírito empreendedor daqueles aventureiros conseguiu encontrar algo que poderia satisfazer suas ambições. Espalhada por larga parte da costa brasileira, e com relativa densidade, observou-se uma espécie vegetal semelhante a outra já conhecida no Oriente, e de que se extraía uma matéria corante empregada na tinturaria. Tratava-se do pau-brasil (...) Os primeiros contactos com o território que hoje constitui o Brasil devem-se àquela madeira que se perpetuaria no nome do país.”

PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1949, p. 32-33.

Cana e Grande Lavoura

“Complementam-se assim os três elementos constitutivos da organização agrária do Brasil colonial: a grande propriedade, a monocultura e o trabalho escravo. Estes três elementos se conjugam num sistema típico, a ‘grande exploração rural’, isto é, a reunião numa mesma unidade produtora de grande número de indivíduos; é isto que constitui a célula fundamental da economia agrária brasileira. Como constituirá também a base principal em que assenta toda a estrutura do país, econômica e social.”

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo : colônia. São Paulo : Martins, 1942, p. 117.

Mineração

“Não fosse por consideração de simples ordem na exposição, deveria ter-me ocupado da mineração logo depois da grande lavoura. É que participa do mesmo caráter econômico desta última e pertence à mesma categoria. Ambas se destinam à exploração de produtos que têm por objeto unicamente a exportação (…) A indústria mineradora no Brasil nunca foi além, na verdade, desta aventura passageira que mal tocava um ponto para abandoná-lo logo em seguida e passar adiante. E é esta a causa principal por que, apesar da riqueza relativamente avultada que produziu, drenada aliás toda para fora do país, deixou tão poucos vestígios, a não ser a prodigiosa destruição de recursos naturais que semeou pelos distritos mineradores, e que ainda hoje fere a vista do observador; e também este aspecto geral de ruína que em princípio do século passado Saint-Hilaire notava consternado, e que não se apagou ainda de todo em nossos dias.”

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo : Martins, 1942, p.p. 164-166.

Café

“O café deu origem, cronologicamente, à última das três grandes aristocracias do país, depois dos senhores de engenho e dos grandes mineradores, os fazendeiros de café se tornaram a elite social brasileira. E, em conseqüência (uma vez que o país já era livre e soberano), na política também. O grande papel que São Paulo foi conquistando no cenário político do Brasil, até chegar à sua liderança efetiva, se fez à custa do café; e na vanguarda deste movimento de ascensão, e impulsionando-o, marcham os fazendeiros e seus interesses. Quase todos os maiores fatos econômicos, sociais e políticos do Brasil, desde meados do século passado até o terceiro decênio do atual, se desenrolaram em função da lavoura cafeeira: foi assim com o deslocamento de populações de todas as partes do país, mas em particular do Norte para o Sul, e São Paulo especialmente; o mesmo com a maciça imigração européia e a abolição da escravidão; a própria Federação e a República mergulham suas raízes profundas neste solo fecundo onde vicejou o último soberano, até data muito recente, do Brasil econômico: o rei café, destronador do açúcar, do ouro e diamantes, do algodão, que tinham ocupado o lugar no passado.”

PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 2. ed. São Paulo : Brasiliense, 1949, p. 177.