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Cock-tail

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A cidade branca

Puseram um grande e velho morro abaixo e uma nova cidade, a cidade branca, surgiu – dirão daqui a alguns anos os cronistas futuros do Rio de Janeiro, referindo-se ao ano da graça de 1922, nesta leal cidade de S. Sebastião.

O velho Castelo agoniza... Vai, pouco a pouco, se esvaindo em terra para o mar, e uma nova cidade, toda branca como uma virgem, vem aparecendo rapidamente no terreno ainda revolto e ainda vermelho do aterro gigantesco!

Do bojo enorme do moribundo, entre o barro sangrento, como num parto monstruoso, vão saindo os elementos de existência da nova cidade! Cada ferida aberta no morro, quanto mais profunda, mais aberta, mais mortal, é um sopro de vida tanto mais forte no continente que se prolonga e onde casarias e palácios irão brilhar ao sol com a fantasia colorida das suas arquiteturas!
Como num teatro fabuloso, o cenario se está preparando. Magnífico, luxuoso, colossal!

Os espectadores não o vêem ainda.

Atrás do pano, atrás dos montes de tabuas e de materiais, um exercito heróico de obreiros, dia e noite, está preparando o espetáculo soberbo de 7 de setembro! Estamos em pleno teatro. Em pleno mistério antes do levantamento do pano. Muitos não acreditam que a récita será maravilhosa. Muitos pensam no adiamento da representação. Nada disso.

Quando se rasgar o pano, porque desta vez o pano será rasgado, ante a imponência e a eternidade do maravilhoso espetáculo, a platéia, o povo inteiro do Rio de Janeiro verá estupefato que uma nova cidade vizinha à dele, mais bela ainda, mais majestosa, ideal, acaba de surgir, como as cidades de sonho habitualmente surgem – do mar, das águas, das espumas...

Teremos, então, a cidade branca. A cidade do futuro.

Não a cidade do futuro, ou melhor, futurista (...) A nova cidade será a vigorosa afirmação da nossa engenharia e da nossa arquitetura, de tudo que é nosso.

Que ela firme a nossa independência em tudo! E ao lado da velha cidade, decrépita e gasta, que sempre pensou com o cérebro alheio, que sempre imitou instituições dos outros, que plagiou (...) a Ópera de Paris (...), ao lado da velha cidade, ignorante e pernóstica, que bebe chá às cinco, porque Londres assim o faz, - que venha a cidade branca e brasileira!

Ela de há muito é esperada! E com ela uma nova era! Era de atividade e de espírito, em que o Brasil, trabalhando por si, agindo por si, fabricando por si – falará menos em política e terá mais direito á sua política... Mil novecentos e vinte e dois há de ser uma data e um marco.(...) Págs. 109-114.

Cocaína Literária

Os vendedores de ilusão vendem a cocaína em pequenos tubos. (...) Apenas para uma pitada de ilusão.

(...) E aquela dose, aparentemente nula de pozinho branco, (...)leva o paciente (...)às mais inéditas e gigantescas regiões do prazer. Goza doida, loucamente! E toda aquela cinematografia fantástica de emoções, toda aquela cavalgada de sensações novas e agradáveis, as proporções colossais daquele super-sonho, aquela agudeza inesperada do espírito, aquele momento imprevisto de gênio, que durante alguns instantes o cocainômano tem, sairam dali, dali apenas, daquele pozinho branco (...) O pequeno frasco, em alguns momentos, criou e destruiu vários mundos!...

Por isso respeito a cocaína. E tudo se parece com a cocaína. É um anão com músculos de gigante! Há as artes muita coisa que se assemelha à cocaína e seus efeitos. (...) Qual maior provocadora de illusões do que a arte? Só mesmo a cocaína. E toda arte moderna em alguma coisa de cocaína. Como a cocaína, a arte é hoje sintética nas suas doses e formidável as suas conclusões. (...)

O título de um artigo é como um frasco de perfume. Por melhor que seja o perfume, ninguém o compra se o frasco não for maravilhoso (...). Neste século tudo é assim! Tudo é questão de rótulo, de título, de tabuleta! Prefere-se morrer nas mãos de um médico de tabuleta grande na porta e da Academia de Letras a ser curado por um pobre diabo de médico sem tabuleta ou com uma tabuletazinha deste tamanhinho!” Págs. 149-158.

A Epidemia do Crime

Esta semana, toda ela, esteve cheia de tiros. O revólver entrou, furiosamente, em ação. Suicídios, assassínios, vinganças de toda ordem, de todos os tamanhos, foram resolvidos por meia dúzia de balas que, certeiras, sem hesitação, saíram do mesmo fatal revólver... Há uma epidemia criminosa como qualquer outra; com os mesmos simtomas, com a mesma propagação. (...)

É o tributo terrível que nossa cidade, a cidade pacata e provinciana de cinqüenta anos atrás, paga à super-civilização por que vai sendo invadida. Todo grande progresso corresponde a uma grande convulsão social. Pág. 208-212