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Mistérios do Rio

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Mistérios do Rio

Mistérios do Rio

Em "A favela que eu vi", crônica de Mysterios do Rio, Costallat surpreende o leitor por abordar um tema tão atual. Mostra uma outra face da metrópole, aspecto que a transformação e a modernização procurava esconder e esquecer. Cem anos depois, os fatos mostram a profundidade do olhar dos cronistas da Belle Époque tropical.

No bairro da cocaína

Ia à procura do homem misterioso – do vendedor de cocaína. Do criminoso vendedor de esquecimento e ilusão...
O comércio da cocaína é um comércio que opera mais tranqüilamente à noite. De dia, há as farmácias. (...)
Noventa por cento da cocaína importada no Rio de Janeiro não tem aplicação terapêutica e é exclusivamente destinada ao uso e abuso dos viciados da droga fatal. (...)
O comércio da morte é admiravelmente organizado. Composto de uma série infinita intermediários de intermediários, de revendedores de revendedores, a cocaína rapidamente é distribuída por todos os recantos. Chauffeurs, rápidos, garçons, meretrizes, jogadores, até quitandeiros e peixeiros e turcos de prestações, manicures, barbeiros, dentistas, médicos, quase todas as classes têm um representante revendedor da droga. (...)
Mas toda essa cocaína espalhada por todos os meios sociais tem um vendedor por atacado. É o rei da cocaína no Rio de Janeiro. É o grande açambarcador. É uma criatura misteriosa que ninguém sabe quem é, que nem os próprios revendedores sabem quem é, mas que domina o mercado da droga vendida clandestinamente, fazendo-lhe o preço e organizando, na impunidade de seu anonimato, a sua distribuição e a sua venda criminosa. (...)
O bairro da cocaína estava, naquele momento, em plena efervescência. Dos cafés da Lapa às pensões elegantes da Glória, passando pelos becos nojentos da prostituição, o bairro da cocaína vibrava de luzes, de risos de mulheres, de espasmos humanos... (...)
Fazendo-me passar, na pensão de Gaby, por um cocainômano – bastou-me ter no bolso os meus vidrinhos Merk – compreendi a solidariedade tremenda que existe entre os viciados. (...)
Págs. 21 a 26

A favela que eu vi...

Subíamos (...).
Arriscávamo-nos, na pedreira, escorregadia das chuvas da véspera, a quebrar o pescoço. Mas o panorama valia o risco...
O Rio desdobrava-se, com as suas casarias minúsculas, numa extensão imensa. O canal do Mangue era uma reta de palmeiras, pequeninas, como as árvores japonesas. As estradas de ferro, rasgando a cidade de trilhos, pareciam um brinquedo de criança. Na baía, o Minas Gerais tinha proporções de um couraçado de bazar...
Estávamos, em plena Favela, fora do mundo.
Vinha-me, então, ao espírito, a crônica terrível do morro sinistro, o morro do crime. Encravada no Rio de Janeiro, a Favela é uma cidade dentro da cidade. Perfeitamente diversa e absolutamente autônoma. Não atingida pelos regulamentos da prefeitura e longe das vistas da Polícia.
Na Favela, ninguém paga impostos e não se vê um guarda civil.
Na Favela, a lei é a do mais forte e a do mais valente. A navalha liquida os casos. E a coragem dirime todas as contendas. (...)
Págs. 33-39.