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O Conselho Ultramarino

Em 1578, a morte do jovem rei – sem descendentes – D. Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir, levou a uma crise na linha sucessória portuguesa. Pela proximidade de parentesco, a linha sucessória indicou para a regência, o cardeal D. Henrique, aclamado Rei de Portugal a 28 de Agosto de 1578.

A notícia da derrota de Alcácer-Quibir foi levada ao cardeal, então no Mosteiro de Alcobaça, pelo provincial da Companhia de Jesus e o Dr. Jorge Serrão. O cardeal convocou as Cortes de Lisboa de 1579 para estudar a situação. Sua opção religiosa, a idade avançada e sem herdeiros, faziam com que sua regência fosse meramente provisória.

Em 1580, apesar dos esforços de D. Antônio, o Prior do Crato, o trono cairia nas mãos do rei Filipe II da Espanha. Face ao ocorrido, e à instabilidade social decorrente do domínio filipino, Portugal vive um período de guerra interna pela autonomia portuguesa, até conseguir a restauração que elevaria D. João IV ao trono português em 1640.

A elevação da dinastia de Bragança à coroa, em 1640, implicou na reestruturação do Estado português, substituindo o modelo administrativo criado durante a União Ibérica. Na estrutura de governo, a primeira reforma importante, efetuada em dezembro de 1640 – antes mesmo de D. João IV ser aclamado nas Cortes – foi a criação do Conselho de Guerra, imprescindível à ação defensiva contra Espanha. O Conselho da Fazenda, já existente nos reinados anteriores, foi reformulado por decretos de 7 de janeiro de 1641 e 13 de fevereiro de 1642. Não foram alterados o Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e Ordens e a Casa da Suplicação. A Secretaria de Estado foi desmembrada em 1643, criando-se a Secretaria das Mercês.

Em 1642, entretanto, ocorreria a maior mudança no que tangia às colônias portuguesas: é criado o Conselho Ultramarino, órgão nos moldes do extinto Conselho das Índias e Conquistas Ultramarinas, instituído pelo rei Filipe III em 1604 e extinto em 1614. O novo órgão nasceu subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos e estava encarregado exclusivamente da administração colonial.

A jurisdição do Conselho está definida no artigo 5º, que o incumbia de “todas as materias e negocios, de qualquer qualidade que forem, tocantes aos ditos Estados da India, Brasil e Guiné, Ilhas de S. Thomé e Cabo Verde, e de todas as mais partes Ultramarinas“, excluindo, explicitamente, “as Ilhas dos Açores e Madeira, e Lugares de Africa“. Essas incumbências envolviam, também, “a administração da fazenda dos ditos Estados“, mas, visando evitar os conflitos de jurisdição que agitaram a vida do antigo Conselho das Índias , separava “a que delles vier ao Reino“, que “se administrará pelo Conselho da Fazenda“.

O mesmo critério levaria a retirar da jurisdição “a Provisão dos Bispados e mais Lugares e negocios Ecclesiasticos“, que seriam feitas “pelo modo e forma, que atégora se fazião“, ou seja, através da Mesa da Consciência e Ordens, que fora outro fator de freqüentes conflitos com o Conselho das Índias. Reduzia-se, assim, a composição do Conselho a três membros, sendo “dous Conselheiros de capa e espada – ou seja, militares, da nobreza do Reino – e um Letrado“. Omitia-se a figura do canonista, não mais necessária em virtude dessa limitação.

Feitas essas modificações, deveria passar pelo Conselho “o provimento de todos os Officios de Justiça e Fazenda” bem como “as Cartas e Provisões, que delles se houverem de levar os Vice-Reis, Governadores e Capitães, que para as ditas partes forem providos“. A ele deveriam ser endereçadas “todas as Cartas e despachos, que se me enviarem de todos os Ministros, Prelados, e quaesquer outras pessoas dos ditos Estados“, competindo aos conselheiros letrados “os negócios tocantes á guerra, e as Cartas e papeis do Vice-Rei, Governador e Capitães” e ao letrado “todas as matérias de Justiça“. Foi esse o passo decisivo para a centralização administrativa colonial.

A centralização do novo órgão veio concluir o processo iniciado em 1549, na instalação dos governos-gerais. Através do Conselho Ultramarino, os poderes dos donatários, que já haviam sido limitados com a criação dos governos-gerais, diminuíram sensivelmente, ficando praticamente limitados aos direitos tributários que estabeleciam os forais. Os donatários ficariam agora estritamente subordinados ao representante do rei, o governador-geral. Significativamente, esses começaram a ser chamados de vice-reis, embora tal denominação só se oficializasse em 1720.

Primeiro na África e na Índia, e depois em todo o ultramar, o Conselho Ultramarino, buscava superar através das colônias portuguesas a díficil situação econômica enfrentada pela metrópole. Neste contexto, o Brasil – maior e a mais rica das colônias – foi alvo de um arrocho econômico e administrativo, e ao mesmo tempo, de um estímulo pela prospecção de ouro e pedras preciosas.

O Conselho procurou também reduzir os poderes das Câmaras Municipais, caracterizados no localismo político dos “homens bons” da Colônia. As Câmaras foram reduzidas a meros órgãos de execução das ordens emanadas dos governadores. Nos lugares dos antigos juízes ordinários que presidiam as câmaras, foram colocados juízes de fora nomeados pelo rei. A autonomia das Câmaras, outrora poderosas, foi neutralizada. Em Salvador, os próprios vereadores passaram a ser diretamente nomeados pelo rei. Daí em diante, até a extinção do regime colonial, o órgão supremo da administração seria o Conselho Ultramarino.

A instalação efetiva do Conselho Ultramarino aconteceria apenas em 2 de dezembro de 1643, sendo seu primeiro presidente o marquês de Montalvão, D. Jorge de Mascarenhas, e antigo vice-rei do Brasil. Foram conselheiros de capa e espada Jorge de Albuquerque e Jorge de Castilho e conselheiro letrado o Dr. João Delgado Figueira. O regimento do Conselho reproduz – em alguns trechos, textualmente, – o do antigo Conselho das Índias e Conquistas Ultramarinas, criado por Filipe III em 1604. Como se isso não fosse suficiente, a absoluta identidade de ambos os Conselhos é confirmada pela ata da primeira sessão, que se refere ao regimento de 1604 como o “regimento velho” e ao de 1642 como “o novo que por ele se fez”.

O Conselho Ultramarino seria extinto por Decreto de 30 de Agosto de 1833.

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