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Augusto Malta

Amanda Danelli Costa
Historiadora formada pela UERJ e mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio


Antonio Edmilson Martins Rodrigues
Historiador formado pela UFF, Livre-docente em História do Brasil pela UERJ e professor dos Programas de Pós-Graduação da PUC-Rio e da UERJ


A invenção da fotografia modificou o mundo. Os registros do cotidiano de uma sociedade em processo de transformação produziram a memória da Belle Époque européia e especialmente parisiense, abrindo para o mundo um novo modo de vida e uma nova idéia de cidade.

As repercussões desse novo conhecimento sobre a vida cotidiana de Paris, transformaram essa cidade em capital do século XIX e fizeram com que os críticos e os avaliadores dessa época a tomassem como referência para a interpretação da passagem do século XIX para o século XX. Alguns deles, como Walter Benjamin, se inspirando nas caminhadas de Baudelaire por essa cidade mágica e inquieta que era Paris, colocaram a fotografia num primeiro plano, estabelecendo-a como uma das mais importantes imagens da modernidade por ela ser, ao mesmo tempo, um resultado do processo de desenvolvimento técnico e uma testemunha ocular do novo momento.

Esse olhar do fotógrafo transformou ruínas em nova expressão estética, fabricou tipos, ampliou costumes e hábitos, concretizou a moda e conferiu à fotografia a condição de representação das novidades e da curiosidade do novo homem moderno.

Já no século XIX foi atribuída aos fotógrafos a função de registradores de um mundo que se dissipava e de outro que se anunciava. Esses profissionais eram contratados especificamente como os responsáveis por guardarem as imagens que se transformavam rapidamente, especialmente nas cidades. Tratava-se de um desejo de construir um álbum que conservasse a memória do antes, do durante e do depois, e que servisse de registro confiável das mudanças promovidas.

Esta é a função que Augusto César Malta de Campos assumiu na prefeitura da cidade-capital, comandada por Francisco Pereira Passos. No decreto de número 445, de junho de 1903, o prefeito criou o cargo que até então não existia na administração da cidade do Rio de Janeiro e que passou a ser ocupado a partir do dia vinte e sete do mesmo mês pelo alagoano, nascido em 14 de maio de 1864 na cidade de Mata Grande (a 267 km da capital), quando esta era ainda chamada de Paulo Afonso. Malta viria a falecer de insuficiência cardíaca em 30 de junho de 1957, no Hospital da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro, aos 93 anos.

Com 24 anos de idade, Augusto Malta seguiu para o Rio onde ainda levaria mais 12 anos para que a experiência na Prefeitura possibilitasse sua profissionalização como fotógrafo. Antes, Malta havia integrado a Guarda Municipal, entre 1889 e 1893, aonde chegou a major. Depois, trabalhou como guarda-livros e comerciante de secos e molhados e tecidos finos. Ao trocar a bicicleta, com a qual fazia a entrega dos tecidos, por uma máquina fotográfica marcou sua trajetória de vida com mais de 80 mil instantâneos.

A habilidade do fotógrafo, longe do comércio, se confirmou. Afinal, não haveria outro motivo para se manter no mesmo cargo por trinta três anos, passando pela administração de dezenove prefeitos. Todo o material necessário ao fotógrafo era fornecido pela Prefeitura, e até mesmo sua casa e laboratório ocuparam, por alguns anos, um sobrado cedido por ela. Após a aposentadoria, Malta continuou a fotografar por mais vinte anos.

Em 1904, Malta passou a fazer trabalhos particulares para empresas e instituições públicas e privadas como a Light, companhia de abastecimento de energia elétrica do Rio de Janeiro em paralelo ao seu trabalho na Prefeitura. Hoje, seu acervo pode ser encontrado em várias instituições de arquivamento cariocas como o Instituto Moreira Salles, o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, o Museu de Arte Moderna, a Biblioteca Nacional, o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e o Museu Histórico Nacional.

A maior parte do trabalho de Malta estava voltada para o registro dos locais que passariam por reformas, assim como o seu processo de transformação. Era comum também que ele registrasse as inaugurações e cerimônias públicas. A cada clique, o fotógrafo acompanhava a transfiguração da cidade, fazendo seus instantâneos com câmeras de grande formato de negativo, operadas com chapas de vidro de gelatina bastante sensível à luz, o que permitia o fechamento dos diafragmas e rápidas velocidades de obturador. A velocidade do obturador era importante porque permitia que a imagem fosse congelada, mesmo que houvesse movimento.

A documentação produzida por Augusto Malta era utilizada pelos assessores do prefeito. A riqueza de detalhes das fotografias permitia a avaliação dos imóveis condenados, assim como dos valores das indenizações. Consciente da importância do fotograma como documento, Malta costumava anotar na matriz o nome do logradouro, a data e marcar a sua assinatura.

Augusto Malta apoiava as mudanças no cenário carioca promovidas pelo poder público e compreendia a fotografia como uma técnica, um instrumento objetivo, capaz de registrar fielmente os temas captados por sua lente. Pouco se sabe a respeito das suas idéias políticas, entretanto, não parece haver dúvidas quanto à filiação e ao compromisso do fotógrafo com o projeto do prefeito Passos. Em entrevista ao jornal O Globo, de 1936, Malta afirma:

“(...) uma obra como aquella, um homem como aquelle, não mereciam a falta de respeito de uma ‘tapeação’. Entusiasmado dediquei-me de corpo e alma à nova função. Diante do nada de fotografia que eu sabia esforcei-me para conquistar o muito que agora sei. Embora em uma função secundária e lateral, eu me orgulhava em dar minha cooperação para a glória da grande obra. Ella precisava de uma documentação fiel e indiscutível que só as boas fotografias poderiam proporcionar (...).”

Augusto Malta era profissional cônscio das suas atribuições como fotógrafo oficial da cidade-capital que se modernizava. Seu intento era fazer de suas fotografias fiéis amostras das cenas da cidade, e para isso intervinha através de elementos técnicos como a escolha dos planos, da angulação e do enquadramento. Assim, ao fotografar a cidade, Malta costumava escolher os planos médio e geral, que expressam bem sua intenção de neutralidade diante da fotografia. No carnaval, o fotógrafo suspendia o princípio da distância e se aproximava da gente nas ruas através dos seus primeiro plano e closes.

Augusto Malta não apenas se dedicou aos registros, mas à sua organização, arquivamento e catalogação, de modo a constituir um acervo fotográfico, ou melhor, um álbum da memória da cidade do Rio de Janeiro. Este álbum, no entanto, foi encomendado pela prefeitura, o que significa dizer que ele deveria lembrar seus feitos em prol da remodelação. A demanda por essas fotografias estava relacionada à construção da imagem de um projeto nacional modernizador; assim como simbolizavam a experiência dessa modernização através das transformações retratadas.

As fotografias de Malta têm íntima relação com o projeto de mobilização nacional em torno de uma identidade moderna que se forjava naquele tempo. O Brasil, metonimizado na figura da sua capital, também era representado na composição do fotógrafo, que captava instantâneos do antigo e da sua substituição pelo novo.

Nesse sentido, a produção fotográfica de Malta conformava a memória de um tempo presente com os olhos no futuro. Seguramente, essa memória permaneceria latente nos arquivos esperando pela sua reconstrução, como um passado revivido em harmonia com o persistente desejo de progresso e modernização. Assim, a imagem fotográfica atua como um ponto de partida da memória, capaz de sintetizar o sentimento de pertencimento a um grupo e/ou a um determinado passado.

Conheça aqui a Exposição Internacional do Centenário da Independência, fotografada por Augusto Malta.

Veja aqui as fotos de Augusto Malta pertencentes ao Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional.

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