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A Independência do Brasil

Hilton Meliande de Oliveira*


A emancipação política do Brasil, ocorrida em 1822, deve ser analisada sob a perspectiva de um processo que começou a ser desenhado anos antes. Em consonância com boa parte da historiografia que aborda o tema, o ano de 1808 desponta como um marco para o caminhar da Independência política brasileira. Sendo assim, deve-se retornar às ações criadas pela expansão Napoleônica na Europa, que surtiram na criação do Bloqueio Continental, em 1806, que certamente foi um passo decisivo para o processo de Independência política brasileira. Esse ato surgiu como uma forma de enfraquecer a grande rival francesa da época, a Inglaterra, principalmente em sua economia, estabelecendo que os demais países europeus não poderiam comercializar e adquirir seus produtos.

Essa medida interferiu diretamente na Coroa portuguesa, aliada de longa data do governo inglês, que mantinha estreita proximidade diplomática e econômica, já que tinha na aquisição de produtos ingleses sua forma de se suprir de produtos industriais. Essa aproximação não agradava o Imperador francês, que desejava a partir da instauração do referido bloqueio o afastamento das relações político-econômicas entre Portugal e Inglaterra.

Após refletir, e vendo cada vez mais iminente uma invasão por parte de Napoleão, o príncipe regente português d. João VI, tomou a atitude que mudaria de vez a relação entre a metrópole portuguesa e sua principal colônia, o Brasil: decidiu migrar com a corte portuguesa para os trópicos, e do outro lado do Atlântico estabelecer as decisões políticas, antes instituídas no Velho Mundo.

Com esta atitude, d. João retomou uma antiga proposta idealizada desde o século XVI, estabelecer a sede do governo português no Novo Mundo, no Brasil, já que bem antes do século XIX, o Brasil representava a principal colônia portuguesa, graças às suas riquezas, que englobavam desde a extração de recursos naturais, a produção de gêneros agrícolas e o tráfico negreiro, repercutindo em recursos e consequentemente possíveis lucros para a Coroa portuguesa.

A Chegada da Corte e as transformações no Brasil

Com o apoio inglês, a Corte chega ao Brasil em janeiro de 1808, primeiro na Bahia, seguindo posteriormente para o Rio de Janeiro, que se tornaria a sede da Corte portuguesa. Com a Corte no Brasil modificações políticas, econômicas, sociais e culturais começaram a acontecer.

No plano econômico, a Abertura dos Portos às Nações Amigas (1808) e o Tratado de Aliança e Comércio (1810) trouxeram a liberdade econômica legitimada para a então colônia brasileira, além do favorecimento econômico e conseqüente lucro inglês, pois seus produtos, após o tratado de 1810, possuíam uma cobrança alfandegária menor (15%) do que os produtos portugueses (16%) e de demais nações (24%). Dentro desse plano de modificações observa-se a criação do Banco do Brasil, o fortalecimento de uma elite comercial e a revogação das antigas restrições sobre as indústrias no Brasil.

No plano cultural, a vinda da Biblioteca Real, a criação do Horto Real (atual Jardim Botânico), a Imprensa Régia, a Academia de Belas Artes e as Missões Artísticas e Culturais financiadas por d. João tinham o intuito de construir um ideário de civilidade que deveria se aproximar ao modelo de vida europeu, além de desvendar a fauna, a flora e as peculiaridades desse novo continente. Desta forma, a transformação deveria ser ampla para que pudesse dar conta dessa nova esfera político-administrativa que a colônia brasileira receberia a partir de 1808 tornar-se sede do Império Luso e de seus representantes.

A idéia de Reino Unido

Com o transcorrer dos anos a estada da Corte portuguesa caminhou para mudanças significativas no processo de emancipação política brasileira, mesmo que essas modificações não apresentassem uma idéia de ruptura entre as duas partes do mundo luso-brasileiro. Em 1815, a idéia de integração entre Portugal e Brasil alcançou uma importante transformação. A colônia brasileira através de um decreto assume a posição de Reino Unido, com Portugal e Algarves ocupando por lei mesma posição que sua metrópole, Portugal.

Essa medida pode ser analisada sobre dois aspectos: o primeiro marca a vontade de d. João em permanecer no Brasil e a importância dada pelo rei à região, pois em 1814, o Imperador francês já havia sido derrotado pela Santa Aliança, e, portanto, se d. João assim desejasse, poderia retornar e governar o império Luso-Brasileiro da Europa. Ao contrário, deixou Portugal ser administrado por um Conselho de Regência comandado pelo marechal inglês, Beresford.

O segundo implica diretamente com a escolha sugerida no primeiro, ou seja, ao permanecer no Brasil, com a possibilidade de volta para Portugal em segurança d. João acabou por suscitar críticas, que desencadearam a Revolução Liberal do Porto de 1820, fundamental para a independência política brasileira.

A questão pernambucana e a Revolução Vintista em questão

Em março de 1817, outro fator trouxe desconforto para a Corte portuguesa, a Revolução Pernambucana. O descontentamento com as medidas de d. João que favoreciam a elite lusa, reservando os melhores postos para os portugueses no exército, na política e comércio, além do aumento de impostos, para manter as crescentes despesas da Corte, fizeram com que a província de Pernambuco, a partir desses fatos, não mais acatasse as decisões propostas pela Corte Joanina.

Os revoltosos falavam em estabelecer uma República que seria marcada pela tolerância religiosa, mas não criticavam o fim da escravidão. Esse movimento foi contido pelas tropas portuguesas com prisões e execuções.

Os portugueses, que desejavam a convocação das Cortes, começaram a pressionar a volta da Corte portuguesa ainda no ano de 1817. Essas medidas ganharam vulto e força a partir de 1820, com a Revolução Liberal do Porto.

Essa Revolução também conhecida como Revolução Vintista questionava o papel do monarca e suas atitudes, pretendendo delimitar leis e normas que direcionariam as relações entre o Brasil e Portugal, metrópole transformada em colônia com a vinda da Família Real.

Apresentada com o intuito principal de regenerar politicamente Portugal e, principalmente, o papel do português dentro do mundo luso-brasileiro, a Revolução Vintista desejava substituir as práticas do Antigo Regime pelas de um Liberalismo, ainda que suavizado pelas luzes portuguesas.

Em primeiro lugar, pretendia livrar Portugal da situação de opressão em que se encontrava, pelo marasmo econômico, pela ausência do soberano, e sujeito ao autoritarismo do marechal Beresford e dos oficias ingleses. Militares e comerciantes portugueses, parcela que despontou na organização de tal movimento, culpava o domínio britânico e a estrutura política vigente, como elementos centrais para a crise vivida em seu país.

Os burgueses, revolucionários do Porto, pretendiam levar adiante uma estratégia política que mantivesse em alta os interesses da antiga metrópole. Buscavam criar determinadas barreiras para a liberdade de comércio, estabelecida no Brasil, a partir da abertura dos portos. Fazia-se necessário discutir e organizar relações econômicas entre os dois reinos, que, se não pretendia trazer de volta o exclusivismo colonial, buscava diminuir o grau de autonomia alcançado pela política brasileira, atitude essa considerada como um retrocesso pelos deputados brasileiros. Nessa perspectiva, cabia às Cortes Extraordinárias de Lisboa o papel de realocar Portugal no lugar de destaque do mundo luso-brasileiro.

Além disso, visava minar o Antigo Regime transformando as antigas Cortes consultivas do absolutismo em Cortes deliberativas, encarregadas de preparar uma Constituição que subordinasse o trono ao poder legislativo e de reformar as relações econômicas no interior do Império, levantando Portugal do estado de estagnação que se encontrava desde 1808.

O movimento vintista não deveria adotar uma postura radical, a fim de demonstrar que os acontecimentos ocorridos em Portugal não possuíam suas raízes no ideário da Revolução Francesa, evitando, desse modo as possíveis intervenções da Santa Aliança, constituída pelo Congresso de Viena. Tratava-se de uma regeneração. Além disso, visava buscar apoio das demais regiões do Império, sobretudo o Brasil, com a promessa de por um fim ao absolutismo.

As notícias do processo revolucionário do Porto logo chegaram ao Brasil, através de cartas e ofícios de autoria dos governantes do Reino, aportando no Rio de Janeiro. Outras províncias como o Pará e a Bahia, que mantinham comunicação direta com Lisboa, não só tiveram o conhecimento dessas novidades como aderiram de imediato ao movimento constitucional, jurando fidelidade à futura Constituição, que seria elaborada pelo congresso português.

A proximidade dessas províncias não ocorria somente em virtude dos interesses econômicos de comerciantes portugueses nelas estabelecidos, mas também em função de propostas políticas. As províncias do Norte acreditavam que os ideais de um governo liberal emanavam das Cortes portuguesas e não do governo sediado no Rio de Janeiro, que atuava por meio de uma centralização monárquica, nos moldes de uma administração opressora do Antigo Regime.

Com medo de que tal movimento ganhasse a sede do Reino Unido, trazendo acontecimentos nefastos ao império luso-brasileiro, os principais conselheiros de d. João VI resolveram tomar algumas medidas. Hesitava-se entre o retorno de d. João a Lisboa, para tentar evitar os excessos da revolta, mas com o risco de legitimar a revolução e permanecer no Brasil, a fim de conter o contágio das idéias liberais mais radicais, arriscando mesmo a abrir mão do trono dos Braganças na parte européia do império.

Em meio a essa hesitação, as notícias propagavam-se amplamente no Rio de Janeiro e em outras províncias, estimuladas pela circulação cada vez maior de jornais, de folhetos e panfletos políticos que chegavam de Lisboa ou se reimprimiam no Brasil. Iniciando um novo debate político que trouxe, pelo menos, ao longo de 1821, a pregação liberal e o ideário do constitucionalismo nesse lado do Atlântico.

As questões políticas nos anos de 1821 e 1822

No bojo dessa efervescência, o movimento eclodiu no Rio de Janeiro em 26 de fevereiro, quase exclusivamente promovido pelas tropas da Divisão Auxiliadora, exigindo do soberano o juramento imediato das bases da futura Constituição portuguesa, a demissão de alguns membros do Governo e a adoção da Constituição espanhola até a elaboração de uma nova pelas Cortes.

Em meio a essa ‘regeneração’ política, surge a figura de d. Pedro como um novo elemento dentro de tais reivindicações. Comparecendo ao Rossio, Pedro agiu com habilidade aceitando parte das exigências, como o juramento da Constituição que viesse de Lisboa, evitando, contudo, a implantação da Constituição espanhola e a formação de uma junta governativa nomeada pelo clero, nobreza e pelo povo, como acontecera no Pará e na Bahia.

Dessa forma, d. Pedro reafirmava sua posição e a soberania do rei. Essa atitude não colocava d. Pedro como um intermediador entre o povo e as idéias liberais, mas sim como uma alternativa de se manter o império luso-brasileiro, e não sua fragmentação, motivo pelo qual o próprio príncipe jurou a futura Constituição portuguesa, com o intuito de conter o ímpeto revolucionário e manter a unidade do mundo luso-brasileiro, que deveria estar próximo a proposta do Antigo Regime.

Em 21 de abril um incidente na Praça do Comércio foi palco de nova aparição de d. Pedro, legitimando-o como futuro representante das elites que aqui estavam. Uma reunião proposta pelo novo Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, que propunha uma reunião com eleitores da comarca, a fim de aprovar as instruções que seriam deixadas a d. Pedro, com a volta da Corte e de d. João em 24 de abril, trouxe uma multidão de todas as classes transformando a reunião em Assembléia, que exigia de imediato a Constituição espanhola e a nomeação de uma junta, indicada pela assembléia para acompanhar o príncipe regente.

A pressão popular não agradou d. Pedro que usou da força, com o auxílio das tropas e das armas, para dispersar tal movimento. Como contraponto a manifestação, d. João lançou, no dia seguinte, um decreto que colocava abaixo a adoção da Constituição espanhola, iniciando um processo de devassa, além de estabelecer os poderes da regência que ficaria no Brasil, fazendo com que o futuro regente ficasse acima de qualquer possível reivindicação de caráter popular, limitando a participação política e os seus usos.

A regência de d. Pedro, inicialmente foi marcada por problemas financeiros devido ao retorno da Família Real e o não cumprimento das “colaborações” de diversas províncias, que questionavam o regente, como as juntas do norte que demonstravam clara adesão às Cortes, recusando a representação política e econômica do Rio de Janeiro.

No entanto, as províncias do sul, embora continuassem fiéis ao príncipe regente, também recusavam a apoiá-lo financeiramente, fazendo com que d. Pedro dependesse ainda mais do Congresso de Lisboa, o que não o agradava, pois criticava as posições desse Congresso, quanto ao poder executivo.

Outro fator marcante foi a Nova Bernarda, em 5 de julho de 1821, no qual militares portugueses, através de um golpe obrigaram d. Pedro a jurar as bases da Constituição então vinda de Portugal. Essa atitude não foi bem vista por d. Pedro, que criticava a imposição dos oficiais portugueses, que em sua visão desejavam sobrepor seu poder e sua importância.

Em 9 de dezembro chegam ao Brasil decretos de Lisboa, que obrigavam, entre outras coisas, a volta do príncipe regente à Portugal, a criação de uma junta de governo que deveria ser eleita por cada província para governar o Brasil, e que deveriam ser dependentes diretos do governo central de Lisboa. Com isso minimizando a influência administrativa brasileira, restabelecendo a supremacia portuguesa sobre o restante do império e submetendo o rei ao controle da Assembléia e de seu poder legislativo.

Tais medidas não agradaram as elites que estavam aqui no Brasil, pois não desejavam perder os privilégios conquistados com a construção de Reino Unido. Mesmo assim, essa elite ainda não pregava uma separação política entre as duas partes do Reino, e via na permanência do príncipe regente a manutenção da estrutura política e econômica, e desta forma a manutenção de seus privilégios.

Para d. Pedro aceitar os decretos de setembro de 1821 significava acatar as exigências das Cortes, o que não condizia com sua visão sobre a idéia de soberania. Restava a alternativa de permanecer e construir no Brasil uma monarquia mais próxima de suas concepções, pautada em tradições absolutistas, ainda que ilustrada.

Acatando ao manifesto com mais de oito mil assinaturas, que pedia para que o príncipe regente não retornasse para Portugal, o 9 de janeiro de 1822 ficou conhecido pelo Dia do Fico, expressando a intenção de d. Pedro em permanecer no Brasil e estabelecendo um pacto político entre o príncipe e os interesses das elites, que ainda nesse momento não desejavam a total ruptura com o império luso-brasileiro.

Dois dias após a decisão do Fico, tropas portuguesas rebelaram-se contra a alternativa do príncipe e procuraram obrigá-lo a embarcar para Lisboa, mas foram contidas pela movimentação do povo e de soldados brasileiros.

Ao longo do primeiro semestre de 1822, as medidas das Cortes promoveram a união das elites, acirrando cada vez mais o clima de desconfiança contra os portugueses, transformando o ideal do constitucionalismo em separatismo do Brasil.

Uma série de medidas marcou esse processo: a reformulação do Ministério, anunciado em 16 de janeiro composto por quatro ministros, sendo três portugueses, no entanto ligados ao Brasil por interesses particulares, sendo o outro, o paulista José Bonifácio, monarquista convicto, favorável à idéia de soberania partilhada entre o soberano e a Assembléia. A convocação de um Conselho de Procuradores, em 16 de fevereiro, com o objetivo de articular as províncias ao governo do Rio de Janeiro e a convocação de uma Assembléia Geral das províncias brasileiras, a partir da representação de 23 de maio.

Deve-se ainda enfocar o decreto de primeiro de agosto, em que se declaravam inimigas as tropas portuguesas que desembarcassem sem o consentimento do príncipe regente, além dos manifestos de agosto – O Manifesto aos Povos do Brasil, redigido por Gonçalves Ledo e O Manifesto às Nações Amigas, escrito por José Bonifácio. Esses documentos assumiam a separação como um fato consumado, culpando o despotismo das Cortes portuguesas pelo rumo dos acontecimentos, mas não descartavam de todo a integridade do império luso-brasileiro, afirmando que a independência significava um sentido exclusivo de autonomia política, sem, contudo, implicar num rompimento total, que somente foi estabelecido ao longo do Primeiro Reinado.

Assim, a separação entre Portugal e o Brasil despontara como a vitória da elite que estava do lado de cá do Atlântico, e que não desejava ter a liberdade de seus interesses cerceada pelas Cortes portuguesas, principalmente em suas relações comerciais. Essa mesma elite escolheu d. Pedro para se tornar o Imperador e representante dos seus interesses, legitimado pelo povo através de uma Monarquia Constitucional. A oficialização da independência foi estabelecida, mesmo contra gosto de algumas províncias brasileiras, com a aclamação do príncipe regente em Imperador do Brasil.

O sete de setembro, o brado retumbante e às margens do Ipiranga despontaram com a necessidade em criar imagens e atitudes que fizessem dessa escolha um marco de Nação, de País e representatividade que é, e ainda será construído ao longo dos tempos e que poderá ser chamada de Nossa História.

*Mestre em História Política – UERJ.

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