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Pernambuco Holandês

Marcos Galindo*


Aproximava-se o inverno de 1628, quando o iate Ouwervaer entrou no porto de Roterdam trazendo a notícia da tomada da frota da prata espanhola na Baía de Matanzas. A multidão afluía de todos os lados ouvindo louvores que lhe faziam por toda a parte, registrou mais tarde o almirante Pieter Heyn. Os burgueses celebravam a conquista com o fervor de quem comemora uma vitória de guerra. A notícia tinha a força de um bom presságio, minimizava os efeitos dos desfortúnios anteriores e reabastecia a bolsa dos burgueses com o capital e a confiança necessária para a tomada de Pernambuco dois anos mais tarde. A partir desta data, produtos exóticos trazidos do Brasil passaram, com regularidade, a fazer parte da lista de mercadorias nos armazéns da Companhia das Índias Ocidentais – WIC. Principiava assim o ciclo do Brasil Holandês, que pode historicamente ser dividido em três momentos: o primeiro período, referente à guerra da conquista, de 1630 até 1637; o segundo período, de 1637 a 1644, conhecido como o Tempo da boa paz, que corresponde grosso modo à administração do Conde João Maurício de Nassau; e o terceiro período, que diz respeito à Insurreição Pernambucana, de 1645 a 1654, quando os levantes e a guerra do açúcar começam a inviabilizar o projeto da WIC. Antes de tratarmos dos fatos que envolvem a presença holandesa no Brasil, cabe entretanto, entender as circunstâncias históricas que levaram à conquista das Índias Ocidentais.

No princípio do século XVI, um conjunto de câmbios na geopolítica do norte da Europa quebrou o frágil equilíbrio que sustentava uma das regiões mercantis mais bem sucedidas de seu tempo. As províncias eram soberanas, cada uma possuía sua própria câmara de representantes ‘Estados’ e enviavam deputados para os Estados Gerais, característica que contrastava com as monarquias autocráticas de sua época. Cidades como Amsterdã e Antuérpia eram controladas por redes de famílias de ricos mercadores que defendiam a ferro e fogo privilégios locais.

O casamento de D. Maria de Borgonha com Maximiliano I, que viria a ser o futuro imperador do Sacro Império Romano-Germânico, deu à Casa dos Habsburgos direitos senhoriais sobre os domínios de Borgonha. Em 1556, Carlos V abdicou do trono em favor de seu filho Felipe. Este, sem considerar a tradição local de independência reverteu a política de autonomia que estas províncias gozavam na época de seu pai e tentou, com novos impostos, refazer os cofres da fazenda real. Reorganizou a inquisição católica e passou a perseguir os calvinistas que haviam se expandido na região. Inconformado com a perseguição religiosa e a sangria de suas riquezas, o príncipe de Orange, Guilherme o Taciturno — tio-avô do governador do Brasil Maurício de Nassau — liderou o levante contra os espanhóis. Em Janeiro de 1579, em resposta ao pacto de Atrecht, Guilherme assinou o tratado que articulava os estados dos Países Baixos do norte — Zeelandia, Utrecht, Gueldria e Groningen — a União de Utrecht, que garantia tolerância, cidadania e liberdade religiosa – pooterschap – aos cidadãos ameaçados pelos católicos. Dois anos mais tarde consolidava-se a independência da Espanha, e a formação das Províncias Unidas da Holanda, os Estados Gerais.

Após o desaparecimento de D. Sebastião em 1578, na batalha de Alcácer-Quibir, o trono de Portugal foi ocupado pelo Cardeal D. Henrique que morreu em 1580 sem deixar descendência. Com a sua morte encerrava-se a Dinastia de Avis e formava-se uma grave crise sucessória na coroa lusitana. Felipe de Espanha, fundado na condição de parentesco com a nobreza portuguesa, reclamou e conquistou o trono, dando início a um período de aliançamento entre as duas coroas, conhecido como a União Ibérica (1580-1640). A ocupação holandesa em Pernambuco insere-se no contexto da guerra hispano-holandesa e justifica-se no embargo da União Ibérica às relações entre as Províncias Unidas com os portugueses.

Em 1585, as tropas espanholas comandadas pelo Duque de Parma conquistaram Bruxelas provocando o desterro de judeus, calvinistas, intelectuais, artistas, ricos comerciantes e artesãos que foram se acomodar na província da Holanda. Com eles transmigrou-se o pólo econômico de Antuérpia para a capital holandesa, dando lugar a um magnífico ciclo de desenvolvimento na economia, nas artes e humanidades, conhecido historicamente como o Século do Ouro neerlandês.



A Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais – WIC

Comunidades de comerciantes, burgueses calvinistas, e judeus sefaraditas de origem ibérica, que desde o princípio da colonização do Brasil mercadejavam com produtos tropicais ― açúcar, pau-brasil, algodão e couro ― foram penalizados com o embargo espanhol. A trégua dos doze anos (1609-1621) arrefeceu a crise reaquecendo a atividade destes mercadores. Cerca de cinqüenta mil caixas de açúcar brasileiro alimentaram vinte e nove refinarias holandesas no período, ao final da trégua, contudo, nova crise afetou o setor, prolongando-se até que se regularizou a produção açucareira no Brasil.

O brabantino Willem Usselinx, acreditava que os Ibéricos, somente se vergariam frente a uma estratégia colegiada apoiada pelos Estados Gerais. Os mercadores isolados não possuíam poderio militar, nem tampouco força de navegação capaz de obstacular seus concorrentes. A solução estaria na formação de uma companhia de comércio com o duplo espírito: o de explorar o comércio e a navegação no Atlântico e o de se interpor frente aos interesses espanhóis, tanto na América quanto na África, onde colônias supriam produtos tropicais e metais preciosos que sustentavam a economia ibérica.

Além dos comerciantes, religiosos calvinistas apoiavam a idéia da constituição de uma companhia para as Índias Ocidentais, baseados em informações que há muito tempo vinham sendo reunidas sobre o potencial econômico, sobre a geografia e o sistema defensivo do Brasil. A idéia inicial defendia uma ação comercial baseada na fundação de colônias agrícolas e de uma rede de entrepostos comerciais, conceito logo vencido por um modelo estritamente mercantilista, apoiado pelo estado e administrado por uma companhia de capital aberto. As províncias da Holanda e da Zelândia que concentravam o maior número de investidores, passaram a oferecer vantagens como a isenção de impostos e o auxílio bélico para equipagem dos navios aos investidores interessados em aplicar capital de risco na nova empresa.

Em junho de 1621, as diversas câmaras neerlandesas que mantinham interesses comerciais no Atlântico, decidiram fundar a Companhia das Índias Ocidentais – WIC, mas somente em maio de 1624, conseguiram reunir o capital necessário para equipar uma frota com o objetivo de tomar a sede do governo geral no Brasil. A frota de 26 navios comandada pelo almirante Jacob Willekens, ocupou sem muita dificuldade a cidade de São Salvador, mas o sucesso da operação não duraria muito. Em pouco menos de um mês, o governador holandês, Johann van Dorth foi morto, e o segundo na hierarquia, Allert Schouten ocupou seu lugar, que também faleceu deixando seu posto para Willem Schouten, irmão de Allert. Este ultimo foi deposto pelos seus comandados por ter realizado uma administração desastrosa. Antes de completar um ano de ocupação, uma frota de 52 vasos de guerra, comandada por Dom Fradique Toledo, retomou a Bahia de Todos os Santos. No comando holandês em Salvador estava Hans Ernst Kijk, que negociou a retirada das tropas abaixo de garantias de Toledo.

A primeira tentativa da companhia foi mal-sucedida e consumiu o capital dos acionistas. Mas em setembro de 1628, o almirante Pieter Heyn, fez as pazes com a sorte, conquistando sem muito esforço a frota da prata espanhola na Bahia de Matanzas, em Cuba. Essa investida rendeu à companhia onze milhões e meio de florins, capital necessário para financiar a tomada de Pernambuco, coração do sistema produtor de açúcar dos portugueses no Atlântico. Com o caixa reabastecido a WIC apressou uma nova frota de 67 navios, essa comandada pelo almirante Hendrik Corneliz Lonck, que trazia como passageiros quase sete mil homens comandados pelo coronel Diederik Waendenburgh. Em fevereiro de 1630 essa força desembarcou na praia de Pau-Amarelo, longe das baterias de defesa da capitania, de onde marcharam para a conquista de Olinda. Desaparelhados para enfrentar os neerlandeses, o governador de Pernambuco Mathias de Albuquerque e seus comandados bateram em retirada, antes porém, atearam fogo nos armazéns de açúcar, obstruíram a entrada do porto com naus incendiadas, refugiando-se nos mangues e matas do entorno de Pernambuco. O socorro demorou um ano e meio, e quando a armada espanhola, comandada por D. Antonio de Oquendo chegou no Brasil, pouco tinha a fazer.

Graças à ação da resistência local, e à difícil situação do abastecimento, em novembro de 1631, o Conselho Político decidiu abandonar Olinda e assentou quartel na vila do Recife, àquela época com pouco mais de quarenta habitações ao lado do porto de Pernambuco, sítio onde os holandeses encontraram as melhores condições de defesa para firmar seus assentamentos permanentes. O período inicial da presença holandesa, 1630-1644, foi marcado por intensas hostilidades, e pela conquista militar de pontos estratégicos, sem uma rendição formal dos habitantes. A ação da milícia local, impedia sistematicamente o controle do território e, conseqüentemente, a retomada da produção agro-industrial. A pouca agilidade e capacidade de reação dos neerlandeses, estimulava as hostilidades dos rebeldes brasileiros, e imobilizava-os no cerco da cidade. No ano seguinte, Diogo Fernandes Calabar, um nativo mestiço que conhecia bem a terra e a organização da resistência, passou para o partido dos holandeses. Com o seu consórcio as forças a serviço da WIC puderam atacar com precisão as bases da guerrilha e aliviar um pouco a pressão movida pelos locais.

O Tempo da Boa Paz (1637 – 1644)

O açúcar exigia o plantio de grandes extensões de terra distribuídas em diversos engenhos, tornando a defesa do sistema uma tarefa quase impossível às tropas aquarteladas no Recife. Os incêndios provocados nos canaviais pelos nativos não permitiam que as poucas unidades operantes, gerassem o lucro que a companhia aguardava. Desanimados, os acionistas não investiam o suficiente para manter as tropas no Brasil, causando na colônia mais crise e desânimo. Não obstante os altos custos, a companhia segurou seus soldados no Recife. A guerra imobilizava a economia dos dois lados. Depois de prolongada resistência, os produtores locais entenderam que aquela situação seria permanente, e aos poucos foram pondo o sistema em funcionamento com base em acordos, que marcaram o início do Tempo da boa paz e do apogeu do domínio holandês no Brasil.

O Conde Maurício de Nassau desembarcou no Recife em janeiro de 1637, com amplos poderes e decidido a mudar o espírito de inércia, decadência e corrupção que tomara a colônia. As áreas conquistadas ressentiam-se de colonos para povoar e fazer produtivas as terras abandonadas. Sem apoio da WIC para implantar colônias agrícolas, Maurício iniciou a cooptação de portugueses com base em uma política fiscal de incentivos e de tolerância, que nos Países Baixos havia surtido bons efeitos. Os resultados desta política não tardaram a aparecer. Enquanto até 1636 a companhia havia acumulado uma dívida de 18 milhões de florins ― produto da emissão de títulos de obrigação a juros de 6 por cento ao ano ―, na administração de João Maurício a companhia acumulou lucro de 7,7 milhões de florins, advindos da exportação de açúcar e pau-brasil. Os comerciantes livres exportaram no mesmo período 20,3 milhões de florins.

O Recife era uma vila aquartelada que dava guarda militar ao entreposto comercial e ao porto. Desde a mudança de Olinda, havia crescido em um pouco mais de uma centena de casas, lá ele tratou de criar uma estrutura urbana, drenou alagados, promoveu um saneamento social, deportou os indesejados e enforcou corruptos. Na Ilha de Antônio Vaz, planejou e criou uma nova urbe, batizada com seu nome. Em seu palácio Friburgo, criou um jardim para onde transferiu coqueiros adultos, formou um zôo e adornou as paredes de Friburgo com obras de Frans Post e Albert Eckhout. Ordenou ainda o uso do solo e o corte de madeira das matas do entorno dos engenhos.

Maurício de Nassau viu na investigação científica uma oportunidade de fortalecer sua imagem humanista, mandou retratar e cartografar o Brasil da melhor maneira que a arte e a técnica de seu tempo permitiam. Promoveu a descrição da natureza, plantas, animais, gentes e costumes do Novo Mundo. Esta incrível ação inventariante estimulou a resposta de portugueses como Brito Freire e Manoel Calado, resultando deste embate o mais notável conjunto bibliográfico registrado por autores coevos sobre o Brasil colonial.

O Conde empreendeu pessoalmente uma investida militar ao Sul de Pernambuco, afastando a guerrilha para além do Rio São Francisco, embora a resistência, com suporte dos senhores de terras da Bahia, continuasse a fazer estragos. Em 1640, o conselheiro Adriaen van der Dussen relatava a Assembléia dos XIX o estado das coisas: “enquanto os espanhóis forem senhores da Bahia terão sempre muitas oportunidades para nos molestarem”. O conselheiro demonstrava-se temeroso com a ação dos baianos que “em qualquer tempo podem enviar suas tropas e seus ardilosos campanhistas para nossa conquista, o que não podemos impedir.” Nassau buscou ainda uma vez dominar a cidade de Salvador, mas já era tarde.

A União Ibérica se dissolveu em 1640, e o Duque de Bragança foi coroado d. João IV, Rei de Portugal. Os Países Baixos e Portugal se apressaram em assinar um tratado que atendesse o interesse comum. Prevendo a paz eminente a WIC, astutamente, ampliou ao máximo suas fronteiras para incluir-se de forma vantajosa no acordo diplomático. Assim, Maurício conquistou Luanda e São Tomé na África e anexou as capitanias de Sergipe del Rey e do Maranhão. Para diminuir os custos de operação a WIC, considerando que a conquista estava consolidada, deu baixa a uma parte considerável das tropas estacionadas no Brasil, fato que mais tarde mostrou ter sido um grave erro estratégico.

Alianças com povos nativos

Um fator fundamental para a fixação de portugueses no princípio da colonização do Brasil foi o tratamento para com os nativos, que pode ser dividido em duas etapas: a primeira de estranhamento, ataque e ruptura, marcada por procedimentos de ‘guerra justa’ e limpeza étnica, num padrão sistemático que resultou no extermínio dos resistentes e na internalização dos sobreviventes, para porções interiores do continente; o segundo baseou-se na adoção de estratégias de pacificação, aliciamento e aliançamento das populações nativas remanescentes, manifestou-se na formação de um substrato mestiço de grande representatividade local e de alianças assentadas em conexões de parentesco e compadrio que fortaleceram portugueses e indígenas.

O procedimento de guerra para forçar alianças posteriores deixou as populações nativas locais divididas. Os inimigos dos portugueses que haviam sido tangidos para o interior da colônia, passaram a ser cortejados pelos holandeses para formação de alianças antilusitanas. A experiência parece ter mostrado a importância do controle das populações nativas e do consórcio dessas, em benefício do sistema defensivo dos empreendimentos holandeses. Essa política, a princípio tímida, ganhou o concurso da ação missionária dos agentes da Igreja Reformada, que passaram a cooptar e se associar com grupos que habitavam os sertões ao norte de Pernambuco.

Agentes da WIC como Jacob Rabib, Roeloff Baro e Mathias Becker, entre outros, conseguiram trazer ao partido dos neerlandeses os Tapuia, especialmente os do Rio Grande do Norte, temidos dos portugueses pela crueldade com que tratavam seus inimigos. No governo de Nassau, as alianças antilusitanas ganharam peso político e os povos nativos foram tratados com status de ‘Estado’ aliado. Mauricio de Nassau apresentou aos Estados-Gerais, em 1644, as instruções dadas a público no Brasil a 23 de agosto de 1636, que recomendavam: “Os brasileiros e aqueles que nasceram no país serão deixados em liberdade, e não serão feitos escravos de modo algum, mais serão governados como os outros habitantes, tanto politicamente como em casos civis, e serão julgados de acordo com as mesmas leis.” As áreas tradicionais destes povos aparecem na cartografia holandesa com a designação de ‘País dos Tapuias’, e a missão de Baro foi classificada como diplomática. Se este tratamento não foi mais que retórico, pelo menos serve para tipificar a relevância que as alianças tiveram para o equilíbrio de forças na disputa pelo Brasil holandês.

Os portugueses, sentindo o peso das alianças dos neerlandeses com os Tapuia, procuraram ampliar o raio de seus antigos aliados e foram buscar no índio Felipe Camarão a liderança que necessitavam para angariar a confiança dos nativos do seu partido. Do ballet de alianças, emerge um interessante debate entre duas facções nativas opostas, registrado num conjunto epistolar trocado entre Felipe Camarão, Pedro Poty e Antônio Paraupaba. Nestas cartas as partes travavam um jogo de convencimento mútuo, acerca das alianças na guerra do Brasil, revelando o que Darcy Ribeiro chamou de “lealdades conflitantes”. São documentos raros, talvez os únicos registros coloniais autógrafos de índios brasileiros. Retratos de um dramático período para as populações nativas da costa.

Em 1644, Nassau retornou à Europa depois de oito anos de governo no Brasil. Em sua bagagem, além de uma herdade de produtos tropicais, trazia lembranças que devem tê-lo acompanhando o resto da vida. Exotismos do Novo Mundo, informações sobre povos, gentes, plantas e animais desconhecidos, pelas quais estava ávido o homem neerlandês do século do ouro, davam forma a uma fortuna muito maior do que aquela que os administradores da WIC o imputavam ter amealhado.

A perda do continente

O governo de Nassau havia sido marcado pela conciliação com os senhores de Engenho. Paradoxalmente o artifício que ele havia utilizado para abrir a concórdia foi também a espoleta do desmanche do empreendimento da WIC. Nassau procurou reorganizar a produção açucareira e organizar operações militares para garantir a segurança e o funcionamento da economia. Garantiu o direito de propriedade dos antigos donos de terras, ampliou o crédito com juros justos e estabeleceu um regime de tolerância religiosa e de eqüidade entre os cidadãos brasileiros e neerlandeses. Em maio de 1644 Maurício de Nassau retornou a Europa, sendo substituído no comando por um conselho local formado por três representantes. Pressionada pela direção da WIC na Europa, a nova administração foi pouco complacente com as dívidas contraídas na época de Nassau e passou a executar e confiscar as propriedades dos Senhores de Engenho. Em 1645 as tensões explodiram na insurreição pernambucana, e após uma série de vitórias militares que davam vantagem aos pernambucanos, Portugal resolveu inserir-se no conflito que acabou com a rendição da Campina do Taborda em 1654. Na permanência de um quarto de século em Pernambuco, os neerlandeses aprenderam a arte dos engenhos e foram transferindo para suas possessões nas Antilhas a tecnologia do açúcar.

A Restauração Pernambucana deu forma a uma realidade eminente pondo fim a uma situação que não mais se sustentava. A produção do açúcar antilhano ofereceu aos portugueses uma concorrência até então desconhecida, gerando uma grave crise na economia sensível nos anos seguintes da retirada dos neerlandeses. Em 1661 a Paz de Haia formalizou a vitória militar dos pernambucanos, mas a indenização paga por Portugal à Holanda, a certo modo, dava a esta a vitória econômica da guerra.

No Brasil não restou dos neerlandeses nenhuma grande construção, nem mesmo as fortalezas reedificadas pelos portugueses são reconhecidas pela população como produto da passagem da velha Companhia das Índias Ocidentais. Os restos vestigiais que afloram do solo arqueológico confirmam o que a história conta. Surpreendente, a lembrança de Nassau permanece viva na memória dos pernambucanos como o mais festejado dos seus vultos, talvez por ele ter criado e transformado a face da capitania com uma feliz administração que ainda hoje busca quem lhe faça frente. Ou quem sabe o explicativo se encontre no mito, como registrou certa feita Silvio Meira, como a primeira encarnação sebastianista na figura do príncipe gentil.



*Doutor em História/Leiden University (Holanda). Professor da Universidade Federal de Pernambuco. Coordenador do Laboratório Liber – Tecnologia do Conhecimento (UFPE).

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