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O Pasquim

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JAGUAR

O COMEÇO DO PASQUIM

Prestem atenção pesquisadores, historiadores, editores, professores e estudantes de comunicação, repórteres de segundos cadernos, autores de tese de mestrado e doutorado, entrevistadores da imprensa escrita, falada e televisada: esta é a última vez que falo nisso.

A (meia) verdade do título é uma medida cautelar. Todas as vezes que tento rememorar as origens do hebdô, aparece uma porção de gente para me desmentir.

Na verdade, só Sérgio Cabral e Claudius podem dizer que não foi bem assim, muito pelo contrário. Os outros fundadores, Tarso de Castro e Prósperi não estão mais aqui.

Então, vamos lá: o embrião do Pasquim foi gerado em setembro de 1968, no dia em que morreu Sérgio Porto, sobejamente conhecido como Stanislaw Ponte Preta. Ele era responsável pela Carapuça, tablóide semanal de humor. Na verdade, o jornaleco poderia continuar indo para as bancas. O autor dos textos, de cabo a rabo, era Alberto Eça, que conseguia fazer uma imitação razoável do jeito de escrever do fero cronista. O pessoal do ramo sabia que o estilo do Stan era inimitável, mas dava para engabelar a plebe ignara. Desconfio de que nem lia o jornal, recebia um cachê para usarem seu prestígio.

Mas como explicar aos leitores? Acho que nem com a convocação do médium Chico Xavier se convenceriam de que o jornal estava sendo editado do Além. Murilo Pereira Reis, da Distribuidora Imprensa, que editava a Carapuça, chamou Tarso de Castro, que na época fazia um baita sucesso com sua coluna na Última Hora. Tarso encontrou-se comigo no Jangadeiros e quis saber minha opinião. “Melhor fechar e abrir outro jornal”, sugeri. Sérgio Cabral já tinha dito o mesmo. A editora topou. Tarso convidou Sérgio Cabral, e eu escalei Claudius e Carlos Prósperi para fazer o projeto gráfico.

A coisa quase desandou porque o nome do jornal não saía. Durante longas semanas, nos reunimos na casa do Magaldi, diretor da TV Globo, que tinha sido sócio do Prósperi na agência Prósperi, Magaaldi & Maia, que marcou época em São Paulo. Listas e listas de nomes eram descartadas. Aí lembrei-me da Tribuna da Imprensa, que tinha tiragem bem menor que os jornalões. Por isso era pejorativamente chamada de lanterninha da imprensa. Deu a volta por cima adotando a lanterna como símbolo.

“Que tal Pasquim?”, propus. “Vão nos chamar de pasquim (jornal difamador, folheto injurioso), terão de inventar outros nomes para nos xingar.” A sugestão não suscitou muito entusiasmo, mas como ninguém aguentava mais tanta reunião, acabou sendo aprovada. Para alívio do Magaldi, que contabilizou grandes baixas na sua adega.

Nossa primeira redação foi numa sala no prédio da Distribuidora da Imprensa, na rua do Resende, 100, no Centro. A equipe: nós cinco, uma secretária (e musa inspiradora do Pasquim), dona Nelma Quadros, e um boy, Haroldo Zager (que mais tarde foi nosso diretor de arte).

O ratinho Sig, personagem dos Chopnics – uma HQ que Ivan Lessa e eu bolamos para o lançamento da cerveja Skol -, foi nomeado para símbolo do Pasquim. Também chamado de o rato que ruge, por causa do filme. Três mesas, outras tantas máquinas de escrever, telefone, a prancheta do Prósperi, um bom estoque de uísque e estávamos prontos para o que desse e viesse.

Tarso decretou que a primeira entrevista seria do Ibrahim Sued (fui voto vencido). Foi gravada no escritório do turco, na esquina da avenida Nossa Senhora de Copacabana com a rua Siqueira Campos. Fomos bem recebidos e brindados com um furo: ele revelou que o próximo general a mandar no Brasil, depois do Costa e Silva, seria um tal de Garrastazu Médici. Fui também voto vencido na reunião para decidir a tiragem do número, que foi impresso na gráfica do Correio da Manhã.

Ainda escaldado pela meteórica trajetória do Pif-Paf, do Millôr (oito números, antes de ser inviabilizado pela ditadura), achava que 5 mil era mais do que suficiente. Resolveram lançar 14 mil. A edição esgotou em dois dias. Rodaram mais 14.000 exemplares.

Por que tablóide? Fizemos uma pesquisa entre os colegas de jornal e a maioria opinou que o leitor brasileiro não gosta do formato. “Então vai ser tablóide”, decidimos. Aliás, ninguém levava fé, achavam que seria mais um jornalzinho de bairro. O lançamento foi no dia 26 de junho de 1969. Cinco meses depois, demos uma festa para comemorar os cem mil exemplares. O primeiro número, além da entrevista do Ibrahim, tinha dois ilustres correspondentes, Chico Buarque, de Roma, convidado pelo Sérgio, e Odete Lara, diretamente do Festival de Cannes. Além dos cinco fundadores, colaboraram Martha Alencar, Fortuna, Luiz Carlos Maciel, Ziraldo (nos deu permissão para republicarmos os Zeróis), Sérgio Noronha, Nísio Baptista Martins (deste eu não me lembro) e Olga Savary, que assinava as Dicas. Quatro páginas de propaganda: da Shell (Prósperi fazia a revista da empresa), da Skol, dos cartões Thomas de la Rue (assinados pelos desenhistas do Pasquim) e das casas do Ricardo Amaral (saudosa Sucata!). Todos os anúncios foram feitos pelo Claudius e por mim. O número só tinha 20 páginas, mas mesmo assim faltou matéria. Tivemos que tapar buraco enchendo duas páginas com cartuns de Don Martin e textos de Groucho Marx.

Mas o ponto alto foi o artigo do Millôr, que termina de maneira lapidar: “não estou desanimando vocês não, mas uma coisa eu digo: se este jornal for mesmo independente, não dura nem três meses. Se durar três meses não é independente. Longa vida a esta revista!”.

E realmente teve: durou, aos trancos e barrancos, até o número 1072, de 11 de novembro de 1991. Mais de 22 anos! Caso raro de um rato – no caso, o Sig – que não abandonou o navio, afundou com ele como aquele almirante batavo.

Mais duas coisas: do requintado projeto gráfico do Prósperi para a capa sobrou apenas o logotipo; e a entrevista do Ibrahim, que não foi das melhores que publicamos, provocou, por acaso, uma transformação na imprensa. Já começamos inovando: levando uísque para nosso consumo e botando o entrevistado na roda, o que é imitado até hoje ad nauseam. Transcrevi a entrevista utilizando o gravador; Tarso e Cabral sumiram, só apareceram na hora de o jornal rodar. Deram uma lida e disseram: “Tem que fazer o copidesque.”

Eram jornalistas tarimbados, eu só sabia desenhar cartuns. “Copidesque? Que diabos é isso?” Pacientemente, explicaram que era adequar o texto à linguagem jornalística. Mas felizmente não deu tempo, o jornal rodou com a entrevista do jeito que estava.

E foi assim que, repito, por acaso, o Pasquim tirou o paletó e a gravata do jornalismo brasileiro.

SIG

O Sig existiu, era um ratinho branco de estimação de Hugo Bidet, que o batizou carinhosamente de Ivan Lessa. Estava sempre conosco no velho bar Jangadeiro. Hugo embebia bolinhas de pão na vodca, que o rato comia e ficava de porre. Quando o bar fechava, a gente às vezes esticava na casa do Hugo, que era ali do lado. Numa dessas o Ivan Lessa, que costumava ficar zanzando pra cá e pra lá no parapeito, caiu, completamente de porre. Era no primeiro andar, mas para um rato era como se fosse o décimo.

Despencamos pelas escadas, Hugo, Pereio, Roniquito e eu. Ivan Lessa ainda respirava, mas estava nas últimas. Pegamos o táxi e o levamos para o Miguel Couto; nem por um momento nos passou pela cabeça que se tratava de um rato; pra nós era um companheiro que precisava de socorro. Já os médicos do hospital pensavam de maneira totalmente diferente. Saímos na porrada e na briga, Ivan Lessa acabou de morrer. Todo mundo foi parar no distrito. Mais tarde quando lancei os Chopinics, o Hugo, na tira virou BD (que se transformava no Capitão Ipanema), e o Ivan Lessa virou o Sig, que acabou se tornando o rato-propaganda do Pasquim.

Hugo (o sobrenome era Leão de Castro, mas ficou Bidet porque um dia serviu uma feijoada no bidê, pois não tinha lugar para acomodar as carnes) não durou muito; meteu uma bala na cabeça, depois de passar a noite inteira contando piadas para o pessoal. Sacanagem.

Outro dia, biritando no bar do Luís, Pereio e eu ̶ os sobreviventes desse episódio ̶ chegamos à conclusão de que, depois de uma certa idade, os amigos pegam o péssimo hábito de morrer. Vou logo avisando que podem parar com isso; enchi o saco de ir a enterro; o do Henfil foi o último. Depois desse, só comparecerei ao meu, e mesmo assim, se arranjar uma boa desculpa, darei o bolo.

CHOPINICS

Não tenho saco para personagens, não tenho paciência para história em quadrinhos, embora seja o que dá grana. Eu comecei a fazer quadrinhos justamente com o Mauricio de Sousa…

Eu fui chamado pelo Zequinha Castro Neves, que trabalhava numa agência de publicidade, e ele me propôs criar uma história para o lançamento da cerveja Skol no Brasil. Aí eu bolei o CHOPNICS, o nome com a mistura de chopp com os beatniks da época. E havia personagens como o BD, que virava o Capitão Ipanema quando falava a palavra Skol e ganhava superpoderes, mas somente dentro da área da bairro. Quando passava voando pelo Jardim de Alah ele perdia os poderes [risos]. Havia o Dr. CARLINHOS BOCA, que era eu. Me lembro que eu saía na Banda de Ipanema, num calor de 40º C, fantasiado de Carlinhos Boca, com um chapéu preto e uma capa de borracha preta… Não sei como é que eu não morri! E tinha o Sig, abreviatura de Sigmund Freud, que era o intelectual e eterno companheiro de Hugo Bidet, apaixonado pela Tânia Scher e pela Odete Lara. Ele era um rato atormentado, cheio de problemas existenciais…

Essas tirinhas saíam todo dia no Correio da Manhã e no O Globo – dois jornais na mesma cidade! Eu não tinha noção do sucesso que o Chopnics fazia. Era um sucesso do caralho! Eu não me dei conta disso, depois, sinceramente, encheu o saco de fazer.

A tira teve uma sobrevida, acabou saindo no Pasquim e o Sig acabou ganhando vida própria e virou um símbolo do tablóide durante 22 anos, até a última edição.

O HENFIL

Quando o Henfil chegou pela primeira vez na redação, eu estava com o Fortuna, que estava diagramando a enciclopédia Delta-Larousse. Chegou o Henfil de Minas, com a pastinha debaixo do braço, mostrou uns desenhos feios, péssimos, como os meus eram também. Eu perguntei: “Como é o seu nome”. Ele falou: “Henfil”. Eu repeti: “Fiu? Parece um assovio, fiu, fiu, fiu…” (risos) Ele ficou puto, porque o Henfil era rancoroso pra caralho! Depois disso ficamos amicíssimos e ele me disse que naquele dia ficou andando direto, pra cima e pra baixo na praia do Leblon, de tanta raiva! Agora, o Henfil depois se transformou num extraordinário desenhista! Era impressionante! Ele conseguia, num desenho, num papel em branco, parado, imprimir um movimento que parecia desenho animado. Só ele fazia isso. Eu nunca vi nada igual nem entre os estrangeiros. Aqueles traços ao lado da perna, assim, indicando direção… Vai tentar imitar. Não dá! Eu já tentei e não consegui… E ele tinha também uma noção de composição fantástica, né?

Sendo do mesmo ramo, eu via o sacana do Henfil fazer uma charge num passe de mágica, como Salieri, ouvindo Mozart, morrendo de inveja.

A REDAÇÃO

Foi uma experiência meio maluca. Era um grupo muito brilhante, é como se fosse o Santos Futebol Clube, da era Pelé, do jornalismo. Você imagina: Millor Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro, Henfil, Paulo Francis, Sérgio Augusto, Fausto Wolf, Ivan Lessa, só tinha craques. Era um bando de porra loucas. Mas redação d’O Pasquim era uma bagunça completa. Por exemplo, um jornalista profissional que eu chamei para ser editor, o Alberto Dines, é um cara acostumado com aquele sistemão de jornal grande, e ele ficava histérico. Ele dizia 'Jaguar, o jornal vai fechar daqui a meia hora e ainda não tem capa, porra!' E eu, 'calma, rapaz, ainda tem meia hora' (risos). Uma vez cheguei na sala dele, ele estava deitado no chão, em posição fetal, completamente desesperado.

Para você ver como era um jornal diferente Ivan Lessa, que é um gênio, quando começou a responder as cartas, os leitores participavam, havia uma empatia, e chegavam sacos de cartas. Sabe o que o Ivan fazia? Jogava tudo fora, inventava as cartas e respondia. Era muito engraçado.

A gente vivia fotografando mulher pelada. As mulheres ficavam andando peladas pela redação. Eu, por exemplo, era monógamo.

Sempre fui monógamo, com uma mulher de cada vez, que nem o Vinícius. Ele foi nove vezes monógamo, nove vezes fiel, fidelíssimo. Mas, claro, de repente tomava um porre e acordava num lugar que você não sabia nem onde estava. Agora, tinha o Tarso de Castro que era um mulherengo danado, que deitava e rolava. Eu me lembro que nós fizemos uma matéria que tinha uma mulher pelada andando, e tinha um cara que viu e “tem uma mulher pelada aí”, e nós “está vendo alguma mulher pelada aqui?”. Ela deitada na minha mesa, pelada, e eu “não estou vendo mulher pelada nenhuma, você está maluco, cara!”. Era muito divertido.

Aquilo era uma loucura. Hoje em dia é inviável, porque as pessoas, nas redações, não se falam mais. O cara que tá do teu lado, rapaz, isso é uma loucura.
O pessoal do Casseta e Planeta, por exemplo, despontou numa saleta na redação do Pasquim, aquele velho casarão da rua Saint Roman, em Copacabana, que já foi randevu e hoje pertence à Fundação Paulo Coelho. Sinto falta da energia dos meus 40 anos e da garrafa de uísque ao lado do vidro de nanquim.

O SUCESSO

Em junho de 1969, um bando de cartunistas, jornalistas e até um artista gráfico (Carlos Prósperi, que bolou o projeto gráfico) conspirou numa sala da Rua do Rezende para lançar um projeto que tinha tudo para dar errado: um jornal sacaneando o governo militar. Não tinham ideologia. Isto é, tínhamos uma extraordinária, rara, pretensiosa ideologia, a do ‘Não estamos nem aí!’. Não era conosco. Não tínhamos nada a ver com solução dos problemas da pobreza, com a nojenta utilização que os ricos fazem do dinheiro, com as mulheres fazendo indignados ataques aos homens e se apropriando indevidamente de termos como: “Não me enche o saco!” (...) Na verdade, influenciávamos o Brasil inteiro, porque não vivíamos no Brasil, vivíamos no Rio de Janeiro, ou melhor, em Ipanema. (Para depois explicar que nenhum de nós morava em Ipanema) E o bar, o glorioso Flag onde nos reuníamos, cheio de mulheres lindas (vamos manter o mito e a inveja), ficava nos fundos do Othon, em Copacabana.

O jornal pegou logo, foi um sucesso fulminante, que surpreendeu até seus mais otimistas colaboradores. Em dez semanas, pulou de 28 mil exemplares para 220 mil. Os leitores de todo o País vibravam com as novidades oferecidas em 32 páginas. A única fonte de renda vinha da venda em bancas ou assinatura (ou seja, estávamos sempre no vermelho).

A gente ganhava muito dinheiro e gastava para caralho. Cada um gastava da sua maneira. O Tarso alugava avião, comia a Candice Bergen, alugava uma suíte em um hotel e enchia de mulher. A minha curtição era a seguinte: eu aluguei uma casa em Arraial do Cabo e ficava lá a semana inteira tomando cana com os pescadores. Cada um tinha o seu estilo.

Ele deu certo pelo seguinte: a hora que uma coisa acontece é porque há uma necessidade. A coisa mais gratificante, por exemplo, foi os caras que foram, que nem o Betinho, para a Europa em um rabo de foguete, e chegavam lá, em Paris e não sei aonde, cada O Pasquim era lido por cem pessoas, acabava rasgado, em frangalhos. E era um negócio que era proibido, os professores proibiam. Inclusive a gente não teve muita solidariedade, aliás, nenhuma.

Quando o jornal era apreendido, a grande imprensa publicava assim: 'um certo semanário'. Não dizia nem o nome. E toda hora o jornal era apreendido.

A CENSURA

A censura foi uma escalada. Primeiro não tinha censura, porque era só um jornalzinho de Ipanema. Quando o jornal cresceu e não dava mais para fechar, porque a gente tinha feito contato com o Washington Post, o Le Monde, e ia dar uma repercussão internacional, então eles botaram a censura.

CENSURA COM A DONA MARINA

No começo, a censura era mais branda. Um dia chegou uma senhora lá na Redação, Dona Marina, dizendo que era da censura. “Tudo bem, Dona Marina?”, perguntei eu. “Tá aqui o material, a senhora pode ficar nessa mesa …”. Ela sentava ali e ficava, era uma senhora muito simpática…

Mas eu sempre com a minha garrafa de Red Label, bebendo. Um dia, depois do expediente, ela chegou e falou assim: “Será que eu podia tomar um uisquinho?”. E eu “claro, Dona Marina, como não?”. Aí tomamos um uisquinho, brindamos. No dia seguinte, providenciei um balde de gelo e uma garrafa de Red na mesa dela… [risos]. Depois disso, ela aprovava tudo! Foi demitida, né! Depois soube que morreu alcoólatra…

CENSURA COM O GENERAL JUAREZ

O próximo censor foi um cara do caralho, o general Juarez, um bonitão, sósia do Gary Cooper, que era pai da Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema. Ele recebia a gente na garçonnière dele ali na Barata Ribeiro. Sentávamos num sofá na sala e ele pegava o material e riscava a lápis o que achava discutível, censurável. A gente argumentava. Havia diálogo. Se ele se convencia, apagava. Se ele não se convencia, passava a caneta. E o mais engraçado é que ele fazia essa conversa toda debaixo de um enorme retrato de um metro e meio de altura da Brigitte Bardot com os peitos de fora. De repente chegava uma garota, bonitinha e tal, e ele apresentava: “Esses são meus amigos do famoso ‘Pasquim’.” E logo depois “Vá lá para o quarto que daqui a pouco estou lá”. E aí rapidamente ele aprovava tudo. Liberava as maiores atrocidades! E a gente ficava torcendo para chegar uma garota lá. Nessa época, passava troço à beça também.

Uma vez eu botei um anúncio de office-boy… Me chega um carro, tipo americano, com uma loura espetacular. Ela chega na minha mesa e diz assim: “Eu vim pelo emprego de office-boy, no caso, office-girl, né?”. E eu: “Peraí, com aquele carro ali?”. Ah, eu tô cansada da minha vida de madame, e quero trabalhar, gosto de O Pasquim. Por fim, a coloquei como secretária, era bonitona pacas e muito competente também…

O Juarez jogava biriba com uma turma de coroas na praia, e nós contratamos a loira espetacular, que ia de biquíni levar o material, ela chegava lá e ficava se esfregando nele, e todos morrendo de inveja e ele cheio de prosa dando a entender que era amante dele. Ela dizia: “Ah, meu bem, não faz isso, os meninos vão ficar tão tristes...” Ele ficava orgulhoso de ter uma gata daquelas ao seu lado e liberava tudo. Até que ele foi demitido. Por que ele foi demitido? Eu fui entrevistar Angela Gillian uma negra antropóloga americana que disse “quero fazer uma denúncia de que esse país era racista'. Eu falei “eu também acho”. A entrevista foi ótima, mas eu pensei “isso não vai passar porra nenhuma”. Eu mostro a entrevista para o Juarez, ele lê e diz “eu também acho que essa Angela está certa!”. E eu “o senhor acha?”, ele “acho!”. Saiu o jornal e ele estava demitido.

CENSURA EM BRASÍLIA

Aí a coisa ficou feia, porque a censura começou a ser feita em Brasília, e aí você tinha de mandar por avião ou por ônibus, e era uma complicação, às vezes extraviava, em vez de ir parar em Brasília ia para Belém do Pará. Mas mesmo assim havia os caras que se afeiçoavam ao Pasquim, e esses caras eram demitidos pelo general Bandeira. Nessa época, O Pasquim começou a decair devido ao atraso. A gente fazia um jornal que tinha uma semana de atraso. Até ir pra Brasília, voltar e não sei o quê, quando saía O Pasquim as notícias já estavam velhas… Foi aí que começou a decadência… Fora aquela história de incêndios e explosão nas bancas... Às vezes, mandávamos um volume de material que daria pra três edições, torcendo para que, após os cortes, o que voltasse salvasse pelo menos uma edição. Foi aí, que a gente pegava e colocava um monte de secretárias, datilógrafas, copiando Os Sertões, Rachel de Queiroz… Então, de cada 20 páginas, apenas três eram de O Pasquim. Só que eles tinham que ler aquela merda toda, entendeu? E eles censuravam a Rachel, o Fernando Sabino, censuravam Rubem Braga… [risos] Era uma guerrilha, e a gente fazia isso muito bem. A gente driblava bastante o esquema. … Pra evitar, por vezes, que os censores riscassem o nosso original com caneta Pilot, a gente passou a enviar um esboço. Se fosse aprovado, aí sim a gente finalizava. Só que, depois da aprovação, a gente, na finalização, mudava a expressão dos personagens, o que basta para mudar toda a mensagem… E eles não pegavam isso… [risos]

Eu me lembro que a primeira vez que fui conhecer Brasília foi porque um general da censura mandou me chamar, e eu “mas não tenho dinheiro para a passagem”, e ele “se vira, senão o jornal não sai”. Aí fiz uma vaquinha, consegui uma passagem, fui lá e ele marcou às 4 horas. 4 horas eu chego lá, aí o filho da mãe diz assim “só posso atender daqui a duas horas”, e eu falei “puta que o pariu, não conheço Brasília. Onde é que tem um bar aqui, porra”. Aí fui para o bar Beirute e fiquei duas horas tomando Steinhager e chope, Steihager e chope.

Eu me lembro até que parou um carro no trânsito, era o Magalhães Pinto, aí eu disse 'ô careca! Como é que é, careca!', e ele acenou, mineiro, né.

Aí finalmente voltei lá, completamente de porre. Mas quando eu fico de porre, eu sou profissional, eu fico duro, como se tivesse engolido uma vassoura. E o que o general queria era só me dar um esporro e mais nada. Ele me fez sair do Rio só para me dar um esporro, disse “eu conheço toda a sua vida, o senhor era funcionário do Banco do Brasil, não sei o quê, casado, dois filhos, por que o senhor leva essa vida de subversivo?” Eu falei “mas eu não sou subversivo, sou só um porra louca, mais nada”.

Então ele me esculhambou, esculhambou e me mandou embora e liberou o material censurado, e quando eu estava na porta ele falou “Jaguar!”. Eu me virei para ele, fiz uma cara meio que sacana, e ele “é verdade que vocês fazem muitas orgias lá no jornal?” Eu falei “mais ou menos” [risos] e fui embora antes que ele fizesse alguma proposta.

A GRIPE DO PASQUIM (PRISÃO)

A fundação d’O Pasquim logo depois do AI-5 foi uma coisa inteligentíssima, né? [risos] Um grupo de pessoas consideradas de um certo QI, esperou o AI-5 pra abrir um jornal pra falar mal do Governo! Foi uma idéia brilhante! [risos] Deu tanto resultado que, seis meses depois, 80% da redação estava em cana.

O negócio é o seguinte: eu fiz uma montagem com o quadro Independência ou Morte do Pedro Américo, coloquei um balão onde o Dom Pedro gritava “Eu quero é mocotó” de uma famosa música na época, do Erlon Chaves, e foi um deus-nos-acuda! Eu tava viajando, tinha alugado uma casa de pescador lá em Arraial do Cabo. Quando voltei, me aconselharam. “Jaguar, se esconde, estão prendendo todo mundo”. Aí eu falei, “e agora? O que que eu faço?” Pra você ver como o Brasil é surrealista: o Flávio Cavalcânti, que era um dos mais reacionários, que depredou a Última Hora, me ofereceu para ficar escondido na casa dele e, inclusive, numa excelente companhia, Leila Diniz. Tava eu lá o dia todo tomando umas com a Leila Diniz, quando liga – não sei como, alguém forneceu o telefone – Paulo Francis lá da Vila Militar. “Ô Jaguar, é o seguinte, nós tamos aqui presos e eles só vão soltar a gente se você se apresentar para prestar depoimento.” Aí, eu falei: “Ô Francis, porra! Tá maluco, rapaz? Eu vou ficar preso e vocês também vão continuar aí!”. E ele falou assim: “A sua consciência é que responde isso”. Pensei. “E agora?”. Aí, pronto, falou em consciência… Liguei pro Sérgio Cabral [o pai, naturalmente], que também estava escondido e falei assim: “Sérgio, o que você acha?”. “Vamos lá”, respondeu. E o Flávio Rangel, que não estava sendo procurado por nada, gritou: “Eu também vou!”. [risos]. Falei, “você vai junto por quê? Não tá sendo pedido”. Aí passamos lá, ele tava com uma malinha. “Que malinha é essa aí?” E ele: “Não vamos ser preso?” “Cara, eu estou sendo chamado para prestar depoimento, então deixa a malinha aí, tá?” O lugar era lá na Vila Militar, na Zona Oeste, longe pra cacete! E eu ainda tive que pagar uma nota preta de táxi! Chegando na porta da Vila Militar eu mandei o táxi parar. E o Sérgio Cabral pra mim: “O que foi, mudou de idéia?”. “Não, mas vamos pro boteco mais próximo!”. Tomei meia garrafa de cachaça, depois voltei e me entreguei. Cheguei e pedi para falar com um oficial. “Eu sou o Jaguar, estou sendo procurado…”. “Ah, é? Prendam esse cara aí!”. E ficamos lá por mais de dois meses… Nós éramos 11, todos do Pasquim, Eu, Tarso de Castro, Ziraldo, Sérgio Cabral, Paulo Francis, Fortuna, Flávio Rangel, Luis Carlos Maciel, Ivan Lessa, Paulo Garcez, e Haroldinho (ajudante da equipe).

Eu fiquei, primeiro, preso com o Flávio Rangel, que era um gentleman. A gente só podia sair pra ir ao banheiro. E a gente tinha uma revista do Clube Militar, onde a gente lia os feitos heróicos do Exército… Os caras não entendiam nada por que a gente ria tanto. Ficava um guarda na porta, armado, do lado de fora, e a gente lá dentro das grades e ríamos pra caramba… Eu me lembro de uma “história heróica” de um cara chamado Tenente Prego, que estava lá na Guerra do Paraguai, quando caiu uma daquelas bombas, que aparecem nos quadrinhos, com um pavio aceso [risos]. Ele se jogou em cima, rapaz! Pown!!! Foi ’prego’ pra tudo que é lado! Salvou a vida dos outros e morreu! E a gente dentro da cela: “Quá! Quá! Quá! Quá!”. Os guardas do lado de fora não entendiam nada, né? Eu e o Flávio Rangel presos e tendo aqueles ataques de riso! Outra reportagem que me lembro foi do cerco do terror em Santa Catarina, na cidade de Lajes. Nessa o cara dizia o seguinte, de forma heróica: “Vou tomar Lajes na baioneta!”. Na seqüência, a própria reportagem esclarecia: “Frustrou-se o intento, pois foi o primeiro a morrer”. E a gente: “Quá, quá, quá, quá, quá!”.

Na cela não tinha banheiro, a gente tinha que pedir pra ser levado. Na primeira vez que eu fui, o cara me acompanhou com a metralhadora nas minhas costas. Fui fechar a porta e ele: “Não, não, tem que ser com a porta aberta”. “Agora passou a vontade! Eu não sei cagar com alguém me olhando”, respondi [risos].

Logo depois eu comecei a subornar uns guardinhas de lá. Eles me forneciam cachaça e eu passei a beber um litro de por dia. Eu ficava o dia inteiro lendo Guerra e Paz, aquele calhamaço do Tolstoi, que você só lê na prisão. Ficava lendo e bebendo cachaça.

Depois, jogava a garrafa vazia pela grade da cela no matagal dos fundos. Havia o Coronel Sarmento, que era muito educado, e dizia: “Os senhores são meus convidados. São meus hóspedes. Não vou julgar o que vocês fizeram”. Não sei por qual motivo, acho que ele me considerou com uma cara mais séria, me escolheu como uma espécie de interlocutor do grupo. Ele vinha falar comigo e eu assim (mostrando a mão encobrindo a boca): “Não, tá tudo bem, coronel!”. E eu escondendo o bafo de cachaça. “O que é isso aí?”, perguntava ele. “É que tô com um problema no dente…” [risos]. Depois, quando eu fui solto, fui lá atrás só pra ver. Tinha uma pirâmide enorme de garrafas… [risos].

A coisa que eu mais detestava era a visita das famílias. Eu proibi a minha família de me visitar. Aquilo era uma choradeira… O Sérgio Cabral chorava, a Magaly chorava, o futuro Governador chorava… E outra coisa: aquele sentimentalismo do Ziraldo e do Sérgio Cabral, eu sou o avesso completo. Não tenho essa coisa. Eles sim, choravam… Até resolveram fazer uma ceia de Natal! Foi muito engraçado… O Antonio’s nos mandou a ceia, um peru, que arrumamos em cima de uma mesa improvisada, feita com barris. E tinha uma televisão preto-e-branco com o programa especial de Roberto Carlos… [risos]. E os caras com metralhadora em volta, e todo mundo cantando Noite Feliz e chorando… Eu não queria viver aquilo. Queria ficar quieto, lá no meu canto…

Outra coisa muito engraçada era o Tenente Macieira, um cara que tinha todos os cursos, até de guerra na selva. Era exemplar. Ele conversava horas com a gente… E foi se interando da situação do País… A gente já tinha uma certa liberdade para andar no quartel. Ficava andando pra lá e pra cá. Eu tinha uns óculos com duas lanterninhas pra ler de noite. Me lembro que uma noite, tava meio frio, eu me enrolei num lençol pra ir ao banheiro, com aqueles óculos, e ele quase morreu de susto! Pensou que fosse um fantasma…

Eles faziam com a gente uma tortura psicológica, que era o seguinte… “Preparem os seus pertences, que vocês vão ser soltos”, diziam… A gente arrumava tudo, dava parte das nossas coisas para os outros presos, tipo abridor de lata e garrafa. Os caras pegavam a gente, dávamos uma volta de carro, e nos traziam de volta… [risos].

O Tenente Macieira acabou saindo do Exército, ficou meu amigo e abriu um restaurante em São Francisco, na Califórnia…

Inclusive, uma vez, ele salvou a vida da gente. A Polícia do Exército, ali do batalhão da Tijuca, resolveu seqüestrar a gente. Aí, sim! A gente ia se fuder, né? Os caras entraram na Vila Militar pra levar a gente na mão grande. Eles, sei lá, achavam que a gente tava levando uma vida muito mansa, e quiseram dar uma ’dura’ na gente. E o Tenente Macieira pegou a metralhadora e disse: “Se derem um passo, eu atiro!”. Só aí é que os caras foram embora. Nossa sorte era que o Tenente Macieira era um soldado mesmo, ou seja, ele atiraria pra valer. E aí os caras desistiram… E a gente: “Macieira, pelo amor de Deus! Fecha essa porta da cela a chave, e dá pra gente tomar conta. Deixa a chave com a gente aqui dentro, que é pra não ter risco de, se eles voltarem, conseguirem entrar!”. (risos) Eu, na prisão, ficava lendo Ulisses. Lia 20 páginas por dia. No dia seguinte, voltava dez páginas e retomava a leitura. Eu não tomava banho, tava sujo, imundo, parecendo um pária, e o Paulo Francis passava com o Paulo Garcez, também de cueca, com aqueles óculos de fundo de garrafa dele, com uma varinha debaixo do braço, como se fosse um oficial inglês, e um dizia pro outro com aquele sotaque britânico, olhando pra mim. “He is almost human”. [risos] Mas eles sofriam pra caralho! O Paulo Garcez, coitado, sofreu à beça. Ele foi solto logo, pois descobriam que fotógrafo não tinha nada a ver com a história. Só fotografava. Ele foi preso da maneira mais trágica. Casou, passou a lua-de-mel lá na Lagoa. No dia seguinte, desceu para comprar jornal e foi preso! E ele sequer entendia o motivo disso… Inclusive, de esquerda ele não tem nada. Pelo contrário, é um aristocrata. E o Paulo Francis também… Todo mundo no Pasquim trabalhando do lado de fora, a gente preso sem fazer nada, e ainda com pinta de herói… [risos]. Não fomos torturados, Nós não fomos torturados, a única tortura era ter de conversar com os milicos. [risos] Luis Carlos Maciel passou por uma tortura física. Ele tinha o cabelo até aqui [bate com a mão no ombro], ele era o guru dos hippies na época, tinha aquela seção “UNderground” n’O Pasquim, e aí o cara falou, “corta o cabelo desse cara”. Aí cortaram a força e todo mundo falou “vamos fazer greve de fome”, e eu falei, “eu, não”, “Eu vou furar a greve. Já tô preso, ainda vou ficar sem comer? Nem pensar.” E todo mundo ficou aliviadíssimo, porque eu era o furador de greve, entendeu? [risos]

Aí o que aconteceu? O Maciel tava revoltado. “Ô, Maciel, você quer que eu te diga uma coisa? Você ficou muito melhor de cabelo curto”. Tanto é que nunca mais deixou crescer o cabelo.

Tinha tortura psicológica. Um dia um cara falou assim: “olhe aqui, se arrumem que vocês vão ser trocados pelo embaixador que foi seqüestrado pelo Gabeira e não sei quem, e vocês vão ser trocados e vão para a Argélia daqui a duas horas”. Aí eu me levantei e disse “olhe aqui, eu só vou debaixo de porrada, tem que me matar. Porra, eu tô aqui e amanhã vou estar andando de camelo no deserto do Saara, vá para a puta que o pariu!”, virei para o lado e dormi. E foi aí que ganhei o apelido de 'o vegetal'. Mas, depois, um psiquiatra amigo meu disse o seguinte: “você, quando passa de um limite e a realidade fica intolerável demais, uma das reações é apagar.” Foi o que eu fiz. O pessoal ficou a noite toda discutindo, discutindo, e no fim era tudo guerra de nervos.

Finalmente fui solto no dia do réveillon. Perguntaram,“Quer que leve pra onde?” Eu respondi, “Quero que me leve pruma festa que eu e o Albino [Pinheiro, um dos fundadores da Banda de Ipanema] fazemos todo ano no Silvestre [que hoje, me parece, virou um cortiço], no reveillon.” Cheguei lá no reveillon uma hora da manhã. Me deram tanta bebida, que em meia hora, eu estava em estado de coma, acordei dois dias depois. [risos]

O Ziraldo, fica puto quando começo a contar essas histórias engraçadas, pois ele acha que elas estragam a nossa imagem pública. “Pô, você fica nos esculhambando, todo munda fica rindo… Parece que foi uma brincadeira!”. Não era, eu sei disso. Por exemplo, se os caras da PE da Tijuca tivessem conseguido nos pegar, eu provavelmente não estaria aqui.

BOMBAS NO PASQUIM

Em 1970, a redação d’O Pasquim sofreu dois atentados a bomba: o primeiro destruiu a fachada do prédio-sede, em Botafogo. O segundo, um explosivo muito mais potente que o primeiro foi igualmente deixado na porta do jornal, na madrugada de 12 de março daquele ano, mas falhou.

“Felizmente os terroristas foram incompetentes, e a bomba deu chabu. Segundo o perito Penteado, apertaram demais a ligação do estopim com a espoleta e o fogo não chegou até a carga de cinco quilos de dinamite. Se tivesse explodido, destruiria a casa, matando o caseiro e a família, e atingiria os prédios vizinhos, uma mortandade. Resumo da ópera: cartunista sempre foi uma profissão de risco. Nos dois sentidos da palavra.”

A ENTREVISTA DA LEILA DINIZ

As entrevistas eram fantásticas. Nossas entrevistas ficavam boas porque éramos um monte de caras de porre que íamos falar com um coitado de um entrevistado que não tinha chance de abrir a boca. Passava um aperto danado. Depois que a coisa pegou, a imprensa começou a usar essa fórmula, só que para levantar a bola do entrevistado. Aí perdeu a graça. A entrevista da Leila Diniz, por exemplo, foi um escândalo. Agora, você lendo hoje a mesma entrevista, ninguém entende a repercussão da época. Não tem mais o impacto. Hoje você vê em qualquer revistinha as atrizes dizendo onde fica o seu ponto G e coisa e tal… A atriz falava muitos palavrões ao longo do papo, mas sem a intenção de chocar. Era o jeito dela falar. Aí optamos por manter as características dela. Decidimos colocar um asterisco, entre parênteses, no lugar do palavrão. Então, a entrevista parecia uma Via Láctea.

A Leila Diniz era um mocinha considerada prostituta, né? Tanto que, quando ela morreu naquele acidente, a gente fez um movimento para a Rua Jangadeiros passar a se chamar Rua Leila Diniz. E os moradores da rua, inclusive a mãe do ex-Prefeito César Maia, que morava lá, fizeram um abaixo-assinado dizendo que não queriam morar numa rua com nome de puta!

Agora, tem umas coisas dessa época que não voltam mais, como o Barbado. Nunca houve um cachorro como o Barbado. Era um vira-lata que fazia ponto no Bar Jangadeiros. Comia filé-mignon, tudo do bom e do melhor, era guarda-costas da Leila Diniz na praia. Quando vinha algum paulista jogar uma cantada em cima dela, ela fazia um sinal para o Barbado, que entrava na água, voltava, se balançava e molhava o paulista todo… (risos). Era aplaudido… Trabalhou no Tem Banana na Banda, com a Tânia Scher, a Leila Diniz e a Maria Lúcia Dahl… Na hora certa, ele fazia a sua pontinha ali no espetáculo. Ia de ônibus pro Centro da cidade, depois voltava e coisa e tal. Era o Charles Darwin dos cachorros!

A SEÇÃO ABRE-ALAS

O Fortuna bolou um concurso chamado Abre-alas. Então todo mundo mandava cartum, aí apareceu um monte de gente, Alcy, Laerte, Glauco, Angeli, todo mundo. Aí os caras que eram bons a gente publicava. Através do Abre-alas e de envio de cartuns para a redação, o Pasquim foi criando uma nova geração: Angeli, Reinaldo, Hubert, Leonardo, Nani, Claudio Paiva, os Carusos: Chico e Paulo...

O FIM

Uma vez saiu um boato sobre o fim do pasquim. Nossa resposta foi: “Sig, o único rato com sete fôlegos, vai bem, obrigado.” E puto da vida. “Estamos falando da matéria que saiu sábado passado no suplemento Cidade do JB, que inaugurou um novo tipo de jornalismo: a matéria catástrofe.” Sig sorrindo e de braços abertos declarou: Este é o último número do Pasquim!, continuou sua fala explicando: “Antes da Nova Fase”.

Chegou uma hora que saiu todo mundo e eu continuei sozinho durante 10 anos, coisa de maluco, né? Me ferrei, fiquei igual aquele japonês que não foi avisado que a guerra acabou (risos). Até que o Pasquim foi a pique porque não tinha mais como sobreviver por falta total de recursos. Senão eu estaria fazendo o Pasquim até hoje.

O Pasquim foi uma experiência muito divertida, mas eu poderia tê-la diminuído em dez anos. Fiquei fazendo o jornal de teimoso. Me endividei. Foi um horror. Todos pularam fora e eu fiquei. O jornal perdeu a influência, a tiragem era pífia. Podia ter feito como os outros, que foram cuidar de suas vidas. Mas, não, fiquei lá, morando na redação, dormindo num colchonete debaixo da prancheta. Um maluco.

Mesmo assim, fez um sucesso retumbante e se manteve durante 22 anos, aos trancos (processos) e barrancos (prisões). Por ironia do destino, foi a pique com a abertura política (quando qualquer um podia falar mal dos milicos sem ser preso). Contrariando a tradição, o rato de bordo, o Sig, foi o único que não abandonou o navio e afundou com ele. Mesmo assim, o jornaleco atrevido durou mais que a ditadura.


(coletânea de depoimentos feitos com o Jaguar nos veículos A Tarde, ABI, Agenda Bafafá, Antologia do O Pasquim, Catálogo Henfil, Folha de São Paulo, GGN, Jornal Já, O dia, O Globo, Rede Brasil, Revista Um)

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