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O Pasquim

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Ivan Lessa

MÉRITOS DO PAQUIM

“O jornaleco tirou as aspas da língua brasileira. Na medida do possível. Os outros méritos estão com todos as que escreveram ou desenharam ou tentaram uma contabilidade honesta com a publicação”

PATOTA

“Eu não uso a palavra patota. Isso era o pessoal que comprava o pasquim, e não quem fazia. Patota nunca ninguém usa e se usasse era sumariamente demitido. [risos]”

IPANEMA

“Ipanema acabou no dia em que alguém disse, pela primeira vez, que Ipanema era um estado espírito. Falou que é um estado de espírito acabou. Bairro, time de futebol, bar, restaurante. Como tantas outras coisas, Ipanema partiu para o Além nos poucos meses do governo Jânio Quadros, -esse divisor de águas, pedras e paus.

Morei em Ipanema de 1949 a 1953, dai para o Leblon — uma extensão ilógica do bairro — finalmente para o Leme, outro que também passou pelo "corredor polonês" do "estado de espírito". Em 1968, fui para Londres, onde empenhei-me em não passar perto de "King’s Road” ou "Carnaby Street", locais que eu sabia, mais cedo ou mais tarde, chegariam à Zona Sul carioca.

Ipanema, até pegar o avião em Cumbica, era um bairro quieto, poucos edifícios, quatro cinemas, alguns bares ótimos, com esplêndidos bêbados, quatro excelentes praias: Arpoador. Castelinho, Montenegro, aquela pouco antes do Jardim de Alá que nunca chegou a ser oficialmente batizada. O papo era bom. Aos domingos, no "Renânia" (só os arrivistas chamavam de "Jangadelros"), tinha bumbo e provocações aos passageiros do bonde que parava em frente. Carlos ThIré, Aldary Toledo, Ruy Carvalho, Renato Willmann, parte do elenco do TBC, que, então, fazia temporada no teatro "Ginástico". Começara a devastação Imobiliária de Copacabana, os farofeiros de décimo-andar deixavam a Zona Norte da cidade, aquela “residência da saudade", e afluíam descaradamente para desprezar dos boêmios. Copacabana era para se beber de noite na boate, Ipanema era para sérias libações diurnas. Pegávamos às 10 da manhã e largávamos as 8 da noite. Mulheres irritadas em casa com o almoço ou a janta esfriando na mesa; namoradas pedindo para jurar que não tinha mulher no meio. O "Renânia" fechava e um outro grupo, o pessoal da General Osório, gente mais moça, jogava porrinha.

Uma turma tomava coca-cola e comia cachorro-quente no "Arapuã”, logo ali ao lado do “Teatro de Bolso". Ainda e sempre aos domingos, Aníbal Machado abria as portas da casa e recebia quem quisesse entrar. Tinha batida de maracujá.

Não multo longe, na própria Ipanema, sem que ninguém desconfiasse, o cartunista, filósofo e Bon Vivant Jaguar, numa região pouco frequentada da mente, bolava, talvez sem sentir, a tira em quadrinhos que se transformaria no tiro de misericórdia do bairro: os chopinics. Havia muito chope, os nics, na calada da noite, ou em plena luz do dia, começavam a estabelecer, pequenas cabeças-de-ponte. Estávamos com as horas contadas.

Dal veio Jânio, bossa-nova, Godard, pizzaria, todas essas más notícias. Trocamos estação. Cada um foi à cata de sua cirrose onde a companhia fosse mais aprazível.
O resto é história. O resto, infelizmente não é silêncio, mas balbúrdia. Sim, as moças eram ótimas. Mas o papo Insuportável. Que remédio senão ir à praia? A banda começou a passar, multa gente à toa na vida foi ver. Virou Festival da Canção, patrocínio da Rede Globo, matéria típica para a revista "Isto É.”

Ninguém leva Ipanema a sério a não ser a revista " Isto É". Desde aquela reportagem com retornados e sungas (o número deve ter vendido bem) que " Isto É” tal qual o criminoso volta esporadicamente ao local do crime. Botam lá nas seções “Cultura", “Comportamento”, “Vida Moderna”, “Gente”, o que der pé. Uma semana após matéria involuntariamente impagável, com a pobre da pensadora Marilena Chauí — vejam os despropósitos: “ O Charme da Filosofia", “A filosofia morena”, “Erudição, simplicidade e paixão: Chauí, a nova receita de Intelectual”, "Erudição sedutora" — “Isto É”, em páginas cognominadas como “sociedade”, examina, digamos assim, "o legado de Leila Diniz, dez anos depois de sua morte". Leila Diniz era uma comediante de talento e marcante personalidade. Foi entrevistada em novembro de 1969 pelo "O Pasquim” e o resultado foi um estouro geral nas bocas: do semanário, da moça, do bairro. "Isto É" (N.292) entrevistou os entrevistadores. Leila Diniz merece, embora eu tenha sérias dúvidas quanto a essa carioca mania de mudar nome de rua, a que chamam, pitorescamente, de “homenagem". Por trás da atitude, apenas o culto do novo, a impaciência com o estabelecido, a forma de ocultar com outro rótulo nossa falta de memória, nosso pouco caso, nosso truculento sentimentalismo. Nós queremos fazer o que as autoridades praticamente exigem: Ir para a frente. Sacamos lances, estamos sempre adiantados demais para nossa época. E não temos a menor idéia de onde estamos ou o que estamos fazendo.
Deve ser a tal da “filosofia morena". Vanguardizemos a todo custo. Nem que tenhamos de desenterrar todo mundo.

O mais engraçado é triste: o cassete original da entrevista com Leila está aqui comigo em Londres. Já o ouvi várias vezes, dado que nunca tive o prazer de conhecer em pessoa Leila Diniz. Ouço e não canso de me espantar. Ela era tudo o que dizem e possivelmente mais. Já conferi e calculo que uns 24 por cento de Leila Diniz "passaram" na transcrição para o papel. O suficiente, tão avassaladora sua personalidade.

Eu gostaria de corrigir vários mal-entendidos citados na reportagem com a "patota" (só mesmo "Isto É" empregaria o termo) do "Pasquim". Mas tenho bons modos e boa memória, não estou catando xepa na mesa de ninguém, pegando guimba em cinzeiro de gente rica ou famosa, forçando minha presença em efemérides fúnebres, metendo meu nariz onde não fui chamado. O Brasil sempre se passou no estrangeiro. Em solo próprio, emperra, estanca. Congela de tanto calor humano. Estão todos mortos no “freezer" esperando a descoberta (do Brasil, claro) da cura para a moléstia incurável. Quando da ressurreição mandarei mais dados e o cassete original da entrevista com a Leila Diniz. Ele deveria estar aí e não aqui. Em havendo quem administre, seguirá a fita.”

BRASIL: AME-O OU DEIXE-O

Publicado na edição de nº 62 do tabloide, de agosto/setembro de 1970, “Brasil: ame-o ou deixe-o – O último a sair apaga a luz do aeroporto” é um dos mais famosos artigos de Lessa n’O Pasquim; escrito após seu período de férias no Rio de Janeiro, quando já retornara à capital inglesa. Seu título e subtítulo compõem um pastiche do slogan nacionalista do regime militar e tiveram grande aceitação popular à época, sendo repetidos constantemente em tons de piada.

A CENSURA

“Era para poder falar de nós falando dos outros. E a única vantagem da censura: obrigar o cidadão a exercer as disciplinas das entrelinhas, das alegorias, das insinuações.”

A VOLTA DE IVAN LESSA PARA O BRASIL

“Minha participação foi mesmo mais ativa entre 1972 e 1973. Mas a explicação é simples. Morava em Londres até 72, quando voltei para o Brasil e passei a trabalhar diariamente no “Pasquim”, meu ânimo profissional ia bem, obrigado.
Tive outras ofertas mais tentadoras em termos de salário. Mas, no "Pasquim", na época vendendo pouco e em crise. eu estava entre velhos amigos.”

GIP! GIP! NHECO! NHECO!

“Eu escrevia os ‘Gips’ e eles (os chargistas) ‘nhecavam’. Em muitos eu tinha uma ideia ou sugestão para a ilustração. Mas muitas das frases davam para se aguentar em seus próprios pés. Acho.”

CARTAS

“Eu pedia para a dona Nelma a vasta pasta com as cartas. Tirava um punhado. Selecionava as que pareciam mais interessantes. Ou mais idiotas. se você preferir. E inventava apenas as obviamente inventadas. E a proporção é bem menor do que pensam. Ou dizem.

Depois de um certo tempo, os leitores mais vivos entraram no espirito da coisa. Ai, é claro, ficou mais difícil. Dependia muito também de como andava minha paisagem interior. Sim, eu tenho uma paisagem interior que anda, marcha, pula, isso tudo.”

(coletânea de depoimentos do Ivan Lessa aos veículos Folha SP, TV Brasil, Arquivo Geral da Cidade do RJ)

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