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O Gral: revista scientifica, literaria e commercial

por Maria Ione Caser da Costa
O Gral: revista scientifica, literaria e commercial surgiu pela primeira vez em fevereiro de 1911 na cidade do Rio de Janeiro. Teve como redator-chefe Pedro Cunha Filho. O diretor-gerente foi Sebastião Duque Estrada e o redator-secretário foi Alfredo Fernandes Machado.

Com periodicidade mensal, se apresentou editada em papel couché, medindo 25cm x 17cm. Sua máscara gráfica apresentou ornamentos e desenhos em estilo art-nouveau. Os poemas publicados em suas páginas traziam ornamentados com filigranas, vinhetas e cercaduras.

O editorial, que recebeu o título de ‘Apresentação’, ressalta a importância de se publicar uma crítica social puramente repassada de literatura e enfatiza que deseja apresentar uma revista impregnada de Arte.

É velha a praxe na imprensa, quando um novo orgam surge, declarar em publico e raso para que fim apparece, quaes as idéas que sustenta ou – em poucas palavras – de onde veio e para onde vae.
Não seremos nós, portanto, modestos e humildes, embora não subservientes, que havemos de quebrar a velha praxe dos programmas.
O que é O Gral?
Muito simples. Um bello dia, depois de um longo e afanoso trabalho profissional, alguns funcionários do Laboratorio Chimico Pharmaceutico Militar lembraram-se de crear um pequeno jornal, com estas duas utilidades: 1ª) defender a classe dos pharmaceuticos, que nesta capital não dispõe de uma só folha techinica, quando todas as outras classes fundam periódicos para tratar dos respectivos interesses; 2ª) distrahir, instruindo, os servidores do Laboratorio Pharmaceutico a que pertencem.
Com este duplo objetivo foi fundado O Gral, que hoje se apresenta ao publico.
Qual deveria ser o titulo do nosso jornal? Varios alvitres foram propostos, mas como quase todos os que discutiam haviam se servido momentos antes do objecto que em pharmacia se chama “o gral”, espécie de pilão de vidro ou louça, foi esse o nome vencedor, por maioria absoluta de votos. E eis como, em menos de uma hora, uma simples idéa foi convertida em realidade.
O programma d’O Gral é o trabalho – não tão afanoso como o do objecto seu homonymo que as prateleiras das pharmacias encerra.
Fará um trabalho suave, presidido sempre pela alegria, sem a qual a vida pouco differe da morte.
Um jornal de pharmaceuticos e praticantes da pharmacia parece que só deve interessar à classe. Mas nem só assumptos profissionaes serão tratados nas nossas columnas. Nellas terão logar pequenos contos, poesias, uma infinidade de cousas que serão lidas sem tédio pelos que não militam na mesma profissão que abraçamos.


Segue o editorial dando a boa nova, e pausadamente explica o alcance pretendido. Mas, categoricamente, seus editores pretendem alcançar, com o lançamento de O Gral, o público feminino. Observe que mais de uma vez os editores provocam com diretas, as senhoritas e senhoras que desejam, sejam assíduas leitoras de suas páginas.

Um periodico com o pouco poético titulo que adoptamos para o nosso e que só tratasse de pomadas e ungüentos, começaria por não grangear a sympathia das moças.
Ora, isso só já seria motivo ponderoso de desgosto par anos. Um jornal que as moças não lêem é um jornal irremissivelmente perdido.
Assim, procuraremos publicar secções que não aborreçam as nossas leitorea. E, sem sahirmos da nossa profissão, poderemos divulgar factos capazes de provocar o riso angelical das senhoritas e até mesmo das graves e rabugentas senhoronas, entre as quaes – já se vê – está incluída a venerável sogra do escriptor destas linhas.
Vamos demonstrar praticamente que se pode ser sério sem ser triste.
Já se foi o tempo em que os varões andavam mettidos numa grande sobrecasaca e cobriam a careca com um canudo lustroso que se convencionou chamar “cartola”.
Esse tempo já vae longe!
Hoje vemos na rua, lado a lado, o commendador Praxedes, de palitot de alpaca e charuto na bocca, e o filho caçula do mesmo titular, de jaquetão á ultima moda e cigarrilha cubana, da qual se desprende o fumo em espiraes deliciosas...
A sociedade evolue. Mesmo no nosso officio o progresso tem mettido o nariz.
Antigamente as pillulas eram feitas a mão, uma a uma, dependendo a perfeição de forma da maior ou menor paciência do manipulador. Hoje, porem, faz-se um cento de pillulas emquanto o diabo esfrega um olho! [...]
Era preciso que fizessemos também alguma cousa. E em falta de melhor, fundamos O Gral, que procurará reunir o útil ao agradável.
Si conseguirá, não sabemos. Mas garantimos que a nossa intenção é essa – embora de boas intenções esteja calçado o Inferno...


Na Biblioteca Nacional podem ser consultados três exemplares. Os números um, dois e três. Este último publicado em abril de 1911.

Com um número de páginas bastante superior aos periódicos da época, vinte páginas o primeiro exemplar e vinte e oito e sessenta e duas páginas o segundo e terceiro respectivamente, O Gral se apresentou com um excelente padrão gráfico.

As capas da revista foram ilustradas com fotografias de alguns militares que também se ocupavam com o ofício dos farmacêuticos. Em suas páginas foram publicados contos, crônicas, anúncios de um modo geral, cifras musicais, charadas e poesias. Também uma seção com o título, “Indicador d’ O Gral”, onde estão dispostos, não obedecendo ao rigor da ordenação alfabética, uma relação com os nomes de vários médicos com suas especialidades.

Toda correspondência endereçada para os responsáveis deveria ser encaminhada à rua Evaristo da Veiga, 95, onde funcionava o Laboratório Chimico Pharmaceutico Militar.

As assinaturas semestrais valiam 3$000 e as anuais tinham o valor de 5$000. Os médicos, dentistas e farmacêuticos que figurassem no “Indicador d’O Gral”, deveriam efetuar o pagamento mensal de 2$000, ficando, desta forma isentos de pagar a assinatura e com direito a remessa gratuita.

Dentre os colaboradores citamos: Affonso Santos, Alarico, Alfredo Machado, Bolivar Bastos, Cincinato Telles Guariba, Cunha Filho, Demosthenes Americo da Silva, Deoclydes de Carvalho, Eneas Penaforte Araujo, Francisco Léo, Froto Pessôa, Homem dos Bicos, Ildefonso Costa, J.A. Bezerra, Jacobino Freire, Jayme Bolli, José Maria Coelho, M. Machado Junior, Octaviano Meira, Oscar Pereira da Silva, Pinto de Abreu, Rien de Tout, Tupy do Brazil e Velho Sobrinho.

E é de Velho Sobrinho o poema selecionado das páginas de O Gral, para ilustrar nosso título.

Ninho vasio

Que estás ausente tudo denuncia!
Desde o tecto sem luz, ermo e sombrio,
Aos tapetes da alcova , escura e fria,
Em que, louco de dôr, eu desvario!...

Onde o sol d’esse olhar – um sol de estio?...
Não mais sob esse tecto elle irradia!
- Ao rever nosso leito assim vasio,
Tremo de magôa, choro de agonia!

Volta! Regressa ao nosso ninho antigo!
Que d’essa ausência a magôa, a dôr, o pranto,
A lembrança siquér... nada mais réste!

Vem reviver , em relembrar commigo,
As loucuras de outr’ora, o doce encanto
Dos beijos que te dei e que me deste.

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