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Iracema: orgão do Atheneu Litterario

por Maria Ione Caser da Costa
Iracema: orgão do Atheneu Litterario, periódico que circulou no Rio de Janeiro no período imperial. Os exemplares que se encontram preservados na Biblioteca Nacional e que podem ser consultados através da Hemeroteca Digital são os três primeiros relativos ao segundo ano da publicação. Referem-se aos números 1, 2 e 3 do ano II, dos dias 12 de maio, 26 de maio e 8 de junho de 1878 respectivamente.

A seção “Noticiário” do número 1, informa que

 
O Iracema é continuação do Echo juvenil. Este não desappareceu; continúa debaixo d’outra denominação e d’outro formato. É nosso intuito com o novo titulo manifestar o nosso respeito e render preito á memoria d’aquelle que foi uma aguia no pensamento, um condor na intelligencia, emfim, um talento sobrenatural: - José de Alencar.

José de Alencar havia falecido em dezembro de 1877. Iracema teve início em maio de 1878, prestando homenagem ao autor de “Iracema”, livro por ele publicado em 1865.  A designação numérica de Iracema informa ser o ano dois da publicação, mas entende-se ser o primeiro da coleção. O exemplar número 1, citado acima, está deteriorado. Falta a parte inferior de todas as páginas, impossibilitando, em parte a leitura, do editorial.  Mas é possível notar que o “ensaio litterario” tece um eloquente elogio ao escritor José de Alencar.

No acervo da Biblioteca Nacional não foi encontrado um periódico com o título Echo juvenil que possa ser identificado como anterior à Iracema.

O periódico Iracema era publicado duas vezes por mês, sempre aos domingos. Teve como redatores J. Lacerda, R. Miranda e T. Meirelles, e foi impresso pela Typographia Fluminense, que estava localizada na rua Evaristo da Veiga, nº 5.

De acordo com o estatuto do Atheneu Litterario, o mesmo foi uma associação “cujos sócios se dedicão ao estudo das sciencias e das lettras”, e a “promover o desenvolvimento intellectual dos seus sócios”, convocando reuniões para discutir questões relativas às ciências e as letras.

O valor cobrado aos interessados em adquirir o Iracema era diferenciado, de acordo com a localidade do assinante. Para os moradores da corte valia 1$500, para a assinatura trimestral e 2$500 para a semestral, enquanto que para os residentes nas províncias, os valores passavam para 2$000 e 3$500, respectivamente.

Uma nota no “expediente”, diagramado logo abaixo do título e em letras negritadas solicitava que “aquellas pessoas a quem enviarmos o 1º numero do “Iracema” e que não queirão ser assignantes, terão a bondade de devolver o mesmo, porque no caso contrario os consideraremos como taes. ”

Cada exemplar do Iracema possui quatro páginas, diagramadas em três colunas, separadas por um fio simples. Não apresentou ilustração.

Publicação totalmente voltada para o literário, publicou poesias, contos, folhetim e crônicas, além de notícias relativas à cultura e ao ensino. Alguns colaboradores encontrados nas páginas de Iracema: A. Lacerda, Antonio R. Nogueira, E. de Oliveira, Guerra Junqueiro (1850-1923), J. Ramos Brandão, J. de Souza e J. T. de Meirelles. A seguir o poema “Religio” de Vitor Hugo, numa tradução de E. de Oliveira.


Religio

Tombava a noite placida e terrivel.
Hermano disse-me;  — Qual é tua crença ?
Fala. Onde a bíblia em que lês? É’s accaso
Teu próprio gigante?
Se teus versos não são flocos de espuma,
Se não é tua estrophe um tição negro,
Por sobre o nada — esse montão de cinzas -
Fumegando um instante,

Se não és alguma alma infeliz,
Que rolou no abysmo da descrença,
Qual a fonte, dize-me, em que bebes?
Qual a tua eucharistía?
Eu me calava; elle disse: — ó sonhador
Que civilisas, porque não vais orar
Nos templos do Senhor? — Iamos junto
Pela selva sombria.

Eu lhe disse: — Eu oro. — Mas em que templo?
Qual é o altar? Qual o celebrante?
Onde o confessor de tua alma triste?
Quem é, dize-me, teu Deus?
Tudo era mudez; sorria o firmamento.
A igreja é o vasto azul, eu disse, o padre... –
Um clarão pallido rompêra as nuvens,
Illuminando os céus.

A lua — hostia enorme — no horisonte
Erguia-se solemne. Tudo estremecia:
A aguia e o lobo, o olmo e o cedro!
Profunda commoção!
E então mostrando o astro d’ouro
Por sobre a terra escurecida eu disse:
— Curva-te, Deus mesmo é que officia,
E eis a elevação!

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