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O Vigilante: republicano da praia Formosa

por Irineu E. Jones Corrêa (FBN), Luzia Ribeiro de Carvalho (IC Faperj – bolsista)
O Vigilante é um pequeníssimo periódico manuscrito, composto em uma única folha escrita no anverso e no verso. A tinta empregada, em sua confecção, tem características de tipo metaloácida, estando oxidada pela ação do tempo. O papel tem como matéria prima a pasta de madeira, sendo aparentemente produção do tipo industrial, embora apresente vergaduras, ou seja, marcas habitualmente deixadas durante a fabricação artesanal. Suas medidas são 22,5 x 16 cm.

O periódico seria produto de um único autor, Mario Proença Gomes (1883-1976). A folha seria, portanto, obra de um rapazinho de 13 anos de idade, uma vez que a edição está datada de quatro de junho de 1896.

A juventude do editor e as reduzidas dimensões materiais do periódico não parecem limitar as pretensões nem de um, nem de outro: o editor não tem censura para abordar assuntos dos mais variados e o jornaleco expõe todos eles. A começar pelos amplos horizontes indicados pelo subtítulo, ele seria um “órgão noticioso, literário, político, crítico e operário”, de expressão nacionalista. As indicações do subtítulo são cumpridas, de modo enfático e algo debochado, em seus cinco blocos de matérias. O primeiro, Edictorial, trata do que chama “as misérias humanas”, assumindo posição em defesa da república e de ataque aos monarquistas, aos quais acusa de terem ideias e posturas retrógradas. Uma segunda matéria é curta e direta: comunica a realização de uma missa, em sufrágio da alma de nada mais, nada menos que a gramática portuguesa, assassinada pelo redator d’O Republicano, título de mais de um periódico da época e de um esboço de publicação que integra esta coleção de manuscritos, “farpa” lançada em direção ao outro periódico, prática comum na época.

Logo após o aviso da tal missa, já na segunda página, aparece uma nota comentada sobre as lutas pela independência de Cuba. Os adjetivos são elogiosos ao povo da ilha caribenha, que seria um exemplo de coragem e força de vontade. Causa defendida também por A República, um dos grandes periódicos do período, que lança na primeira página da edição de 23 de outubro de 1895 uma subscrição para financiar a independência da ilha.

O bloco seguinte tem o nome de Telegrammas. O primeiro deles diagnostica os motivos do adoecimento da rainha espanhola, Maria Cristina: os sustos pelos quais ela passava. Embora a matéria não identifique exatamente quais seriam tais sustos, se o leitor juntar esta sugestão com a notícia anterior, sobre a independência cubana, ele poderá achar nos episódios do enfraquecimento do império espanhol de além-mar, a explicação para os abalos na saúde da soberana. Um segundo telegrama fala da prontidão em que se encontra a esquadra americana, preparada para intervir na crise cubana, situação que se concretizaria com o conflito hispano-americano, de 1898, como registra a historiografia.

A última matéria do pasquim é um poemeto de três quartetos, assinado M. P. G., cantando a beleza e os encantos de Alice, musa que empresta seu nome à composição. Versos simples e sem maiores sofisticações, entretanto, têm um final de ousado erotismo, com o poeta confessando flagrar a bela na intimidade de seu banho.

O manuscrito oferece uma informação adicional, uma curiosidade sobre a antiga cidade do Rio de Janeiro, de finais de do século XIX. Logo no cabeçalho, aparece o endereço da redação, Praia Formosa, nº 299, referência a uma das inúmeras praias, que existiam no antigo litoral da cidade e que desapareceram com os sucessivos aterros – assunto discutido na Revista do Instituto Polythecnico do Rio de Janeiro, que na página 61, da edição do ano de 1900, cita explicitamente a praia. Para o leitor interessado, há uma reprodução de uma pintura da Praia Formosa, no livro Rio, pena e pincel, organizado por Heloisa Seixas e editado pela Casa da Palavra, em 2011. Um exemplar dessa obra, está disponível no acervo da Biblioteca Nacional. A região toda faz parte da atual área do canal do Mangue que, na época do aterramento, foi um importante e belo logradouro da cidade. Uma planta da cidade do Rio de Janeiro, de 1864 mostra aquela região litorânea, nos seus contornos originais. A praia pode ser facilmente observada no canto superior direito da imagem.

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