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A Saudade: publicação litteraria e instructiva

por Maria Ione Caser da Costa
A Saudade: publicação litteraria e instructiva foi publicada pela primeira vez no Rio de Janeiro em 5 de agosto de 1855, e a partir de então, seus números subsequentes saiam semanalmente, sempre aos domingos. Foi impressa pelas máquinas da Typographia de Fortunato Antonio de Almeida, localizada na rua da Valla, nº 141, atualmente, rua Uruguaiana.

O diretor geral foi Bernardino Pinheiro (1837-1896) e como redatores os senhores Constantino Joaquim de Azevedo Lemos, Jeronymo Joaquim de Oliveira (?-1890), Antonio Leite Machado, Manoel Leite Machado (1831-?), Antonio Xavier Rodrigues Pinto (1833/4-1872) e Bento Serzedello.

O periódico pertencia ao Gremio Litterario Portuguez do Rio de Janeiro, fundado em 1855 por portugueses que trabalhavam no comércio[*]. A Saudade era um canal para difundir as obras literárias de seus sócios, os portugueses residentes no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, servindo também como atenuante para aplacar a saudade da pátria, e promover a ambientação dos mesmos em terras brasileiras

Com o título “Prologo”, o editorial inicia dando destaque para a letra capitular trabalhada com elementos ilustrativos de folhagens. O texto descreve o sentimento que acomete àqueles que se encontram distantes de sua terra natal.

 
O nosso primeiro poeta, Bernardim Ribeiro, a quem Camões chamava o seu Enio, escreveu um livro de suas saudades; Garret, o grande poeta da epocha, sobre quem a lousa do sepulcro acaba de cahir aos acordes gemedores das harpas de todos os bardos das duas nações, invocou a Saudade, o delicioso pungir de acerbo espinho que lhe repassava o intimo do peito; invocou-a para emprehender aquelle mavioso e encantado poema Camões, que rivalisa com o Jacelin de Lamartine, com os poemas orientaes de Biron, e que é o maior padrão de nossa litteratura moderna; é que estes dous grandes homens, o primeiro, que fundou a nossa poesia, o segundo que acabou de a aperfeiçoar, conhecerão quanto é doce esta melodiosa palavra a – Saudade, a mais suave de toda a nossa lingua, a que melhor exprime um sentir, ao mesmo tempo doce e amargo, que constante agita o peito do homem.[...]

E’ pois a Saudade um incessante anhelo, um sentir mysterioso de todos os corações, e assim o nosso periodico se denominou – A Saudade, porque sobre tudo será escripto do coração, porque sobre tudo sentimos vivaz desejo de nos tornarmos uteis á nossa patria, e ao paiz onde habitamos.

A partir de fevereiro de 1856 a publicação passa a circular com o subtítulo jornal do Gremio Litterario Portuguez, assim permanecendo até 8 de fevereiro de 1857. Nesta data encerra-se a publicação por motivos financeiros, retornando em 15 de abril de 1861.

Colaboraram na primeira fase de A Saudade, além dos redatores descritos acima, A. J. de Carvalho Lima, Delphim Augusto Maciel do Amaral, João Dantas de Souza (1835-?), e Reinaldo Carlos Montoro (1831-1889).

Dessa fase de A Saudade selecionamos uma poesia de A. J. de Carvalho Lima intitulada “Saudades”.

 

Saudades 

Sinto em meu peito affligir-se

Com uma angustia mortal,

Acaso serão saudades

Da minha terra natal?

Do meu berço onde nasci

Do meu lindo Portugal?!

 

D’esses bosques, lindos bosques,

D’essas floridas campinas,

D’esses prados tão relvosos,

D’essas auras matutinas,

D’essas rosas e açucenas,

Jasmins e tenras boninas?

 

Ah! que são, e de que mais?

De um pai, que lá deixei,

De meus ternos irmãosinhos

De uma bella a quem amei;

Porém hoje desterrado

Quando vel-los, eu não sei!

 

Se d’este lugar que habito

O triste som de meus ais,

Podesse repercutir

N’esse lugar em que estais;

Eu já não me entristecia

Não lamentaria mais.

 

Vinde, oh ligeira brisa,

Meus gemidos receber,

Vinde, vinde, em vossas azas

Quando ancioso eu estiver;

Levar-me um terno suspiro

A’ terra do meu nascer.

 

No dia 15 de abril de 1861 A Saudade reinicia uma nova fase, com o subtítulo periodico litterario, trazendo na capa a informação de “segunda série”. Passou a ser impressa pela Typographia de Pinheiro & Compª, situada na rua do Cano, nº 165, atualmente rua Sete de Setembro.

O editorial desta segunda série inicia com letra capitular em grandes proporções, entremeada com desenhos de flores e folhagens. Seu texto, fazendo menção à série anterior, apresenta o desabrochar, como uma flor que, através da linguagem literária, renasce e acalenta a saudade da terra natal.

 
Não morreu: murchou, e o mesmo sol que a fez pender, reanima-a agora, dá-lhe todo viço, todo o frescor.

Como essas rachiticas plantas, que a esterilidade do terreno nunca deixára medrar, mas que transportadas para um solo fecundo, ostentam em pouco um brilho esplendido, assim a Saudade, em mãos d’outros cultores, cultores senão mais habeis ao menos mais assiduos, ha de um dia, ousamos espera-lo, acompanhar passo a passo as mais lindas flores do jardim ameno da litteratura.

E hade, porque lhe sobram os elementos necessarios para o conseguir.

E hade consegui-lo, por que o sopro ardente das nossas aspirações de mancebos, tem animado mais de uma cousa, e vivificado mais de uma idéa. [...]

Se a saudade sentimento póde ser o fanal de esperança que acompanhe o triste longe dos seus, seja a Saudade jornal o marco miliario da nossa peregrinação, e venham todos depôr nelle os tributos que devemos a Deus, e á Patria.

Não haja a receiar a concorrencia, nem o exclusivismo dos afortunados; a Saudade é de todos, é a idéa, e n’esta está a regeneração da classe a que pertencemos.

O jornal, no nosso pequeno mundo, não matará o livro, mas levará a muitos a certesa de que ha tambem entre nós quem possa exclamar como Chenier[5]:

Il y a qualque chose lá!

A coleção original da segunda série, que pode ser consultada na Hemeroteca Digital, pertence a Biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.

Vários foram os colaboradores que estiveram presentes nos fascículos de A Saudade. Entre os temas publicados constam romances, folhetins, poemas, curiosidades, artigos com reflexões filosóficas, religiosa, relatos de viagem, informativos, dentre outros. Não se pode deixar de mencionar os textos sobre os emigrados portugueses no Brasil oitocentista e também os textos de tradição na literatura portuguesa.

A seguir poema que Camillo Castello Branco (1825-1890) escreveu em Lessa da Palmeira (Leça da Palmeira, freguesia portuguesa) no dia 12 de outubro de 1856, e intitulou “Desconforto”.

 

Desconforto

Em toda a parte o ceu me é turvo e triste;

É morta a naturesa aos olhos meus;

Não sei, se existe o bem, onde é que existe,

Nem sei quando a oração commove Deus.

 

A suspirada paz busco-a, contino,

Nas selvas, na montanha, e, a sós, no mar:

Em toda a parte encontro o meu destino...

A crença diminue, cresce o pesar.

 

Enoja-me o praser da sociedade,

Enoja-me vagar na solidão;

A toda a parte levo esta anciedade

De quem busca na terra um coração.

 

Um coração! Chimera tão risonha,

Que vens, como celeste seraphim,

Fulgir nos sonhos de infeliz que sonha

Noites e noites d’um soffrer sem fim.

 

Um coração! Palavra sem sentido,

Extremo anhelo, ancioso devaneio

De quem busca na terra o indefinido

Até que a morte, em fim, lhe gela o seio.

 

É pois certo que existes, Deus, é certo

Que sois d’alma immortal principio e fim!

Se a intensa dor me põe de vós mais perto,

Maiores maguas, Senhor, dai-m’as a mim.

 

 

[*] Conferir em  http://memoria.bn.br/DocReader/896918/100, sobre os jovens portugueses trabalharem no comércio.

[**] André Marie Chénier (1762 - 1794), poeta francês.

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