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Júlio Cesar da Silva

por Maria do Sameiro Fangueiro


Júlio Cesar nasceu em Xiririca, atualmente denominado Eldorado, São Paulo, em 23 de dezembro de 1892 e morreu na cidade de São Paulo em 15 de julho de 1936. Foi escritor, crítico literário, e advogado. Filho de Miguel Luso da Silva, comerciante, e de Cecília Isabel da Silva, professora. Irmão da poetisa Francisca Júlia da Silva Munster (1871-1920).

Com apenas 20 anos, Julio Cesar escreveu seu primeiro livro intitulado Stactites, no ano de 1892. Em 1895, lança Sarcasmos. Foi autor do prefácio do Livro da infância, escrito por sua irmã Francisca Júlia,em 1899. Juntos escreveram em 1912, Alma infantil: versos para uso das escolas, coletânea de pequenos textos narrativos em prosa e verso. Estes livros foram adotados pelas escolas públicas de São Paulo.

Como dramaturgo estreou no Teatro Carlos Gomes, Rio de Janeiro, a peça Morte de Pierrot, comédia em versos, em 14 de junho de 1917. Esta peça foi publicada anteriormente, pela revista A vida moderna, em 1915. Em 1921, um novo livro surgiu intitulado Arte de amar, publicado pela editora Monteiro Lobato & Cia. Teve mais 2 edições em 1924 e 1928, pela mesma editora. Uma nova edição surgiu em 1961, pela Companhia Editora Nacional. Em 1925, dois novos livros surgiram, O diabo existe (contos), e Conceitos e Pensamentos de Machado de Assis. Recebeu críticas elogiosas de Martins Fontes, João Ribeiro (1860-1934), jornalista e crítico literário, e Breno Ferraz, afirmando as qualidades poéticas de Júlio Cesar. É autor de o poema a seguir.



Papeis velhos

O amor é a patria ideal onde os meus olhos ponho,
Chorosos sempre como os olhos de um captivo;
E’ a patria ideal do meu anhelo e do meu sonho,
Da qual ha tanto tempo eu desterrado vivo!

Muita vez, dentro em mim, um sentimento novo,
-- Pagina solta do meu intimo evangelho –
Brota e floresce,como um tremulo renovo
Na talisca de um muro esboroado e velho.

Mas em minh’alma não existe esse agasalho
Que o ponha da voraz canicula a coberto :
Brota o affecto, e depois morre á mingua de orvalho,
Porque meu peito e um vacuo, minh’alma um deserto...

Ah! se eu pudesse ter essa immáculaflamma,
Esse entranhado amor, esse affectoimpolluto
Que doura a vida inteira a qualquer homem que ama,
Quando sabe domar os instinctos de bruto,

Poderia talvez, como outros, esquecido
De tudo, o coração feito carinho, amal-a,
E amado ser tambem por essa em cujo ouvido
Resoava, cantando, o echo da minha falla ;

Por essa em cujo olhar, que ora aviva scentelha
Do sorriso mostrava, ora a sombra da magua,
Se espelhava a minh’alma, assim como se espelha
Uma nesga de luz na transparencia d’agua.

Mas, pouco a pouco, flóco a flóco, a atroz descrença,
Derramando das mãos as frigidas neblinas,
Meu peito transformou numa planicieimmensa
De gelo, onde o austro bate as vergastadas finas...

Nada, emotivo e bello, em meus nervos actúa:
Tudo por meu olhar indifferente passa,
Porque nada mais sou que um’alma velha e nua
Que anda, trôpega e doente, arrastando a carcassa.

E este, em que vivo agora,humilhante desgosto,
Que, roubando-me a vida, augmenta sem piedade,
Tristezas á minh’alma e rugas ao meu rosto,
Faz-me velho de mais aos vinte annos de edade.


Em: Vera-Crvz; revista d’Arte, anno 1,n,1, jan.1898

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