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O Pão ... da Padaria Espiritual

por Maria Ione Caser da Costa
O Pão... da Padaria Espiritual foi um periódico editado em Fortaleza, capital do estado do Ceará, e lançado no dia 10 de julho de 1892.

Inicialmente impresso pelas máquinas da Typographia d’O Operario, os números 3 e 4, foram impressos pela Typographia d’O Combate, situada na rua Formoza, nº 131, passando a responsabilidade da impressão, a partir de 1º de janeiro de 1895, para a Typographia Studart, que funcionava no número 46 da rua Formoza. O número 31, de 15 de agosto de 1896 e seguintes, passa a ser impresso na Lithographia Cearense, localizada rua Formoza, nº 68.

A Padaria Espiritual, como lemos no título da publicação, foi uma agremiação cultural, que teve vida fecunda, criada por um grupo de jovens audaciosos, que se dedicavam às Letras e às Artes. Eram eles escritores, pintores, músicos e alguns, desenhistas.  A agremiação foi fundada no dia 30 de maio de 1892, em Fortaleza, então uma longínqua província localizada no nordeste do Brasil. Talvez pelo dinamismo e diferencial praticado por seus idealizadores, a Padaria Espiritual tornou-se conhecida no Rio de Janeiro, que à época, era capital do país. Seus integrantes utilizavam terminologia própria: seus membros eram chamados de “padeiros”, as reuniões receberam o nome de “fornadas” e prometeram criar uma publicação periódica chamada “O Pão”.

O editorial de lançamento d’O Pão comenta sobre os estatutos da agremiação, o programa da publicação, além de pedir ao leitor que não deixe de adquirir o periódico. Eis o texto:

O leitor conhece os estatutos da Padaria Espiritual?
Naturalmente.
Então, já devia estar á espera do jornal que prometeu crear, com o nome de O Pão.
Eil-o, com a mesma somma de direito com que os outros seus collegas percorrem profusamente o mundo inteiro.
O seu programma é muito simples: transmittir ao leitor com a maior exatidão o que sente e o que pensa a Padaria Espiritual sobre tudo e sobre todos.
Não obedece absolutamente a sugestões extranhas, nem tão pouco toma a si o compromisso de agradar; em compensação, de modo algum ameaça hostilisar.
Promette apenas uma cousa: dizer sempre a verdade, doa esta em quem doer.
Não promete ser eterno; deseja, porem viver o mais que for possivel.
Por conveniência econômica de tempo e dinheiro, somente aos domingos se publicará O Pão.
É escusado, portanto, observar que não podemos absolutamente dispensar o seu auxilio, comprando por 60 réis um nº de cada edição.

O Pão ... da Padaria Espiritual publicou 36 números que podem ser consultados na Hemeroteca Digital. Falta na coleção, o número 6, que possivelmente deve ter saído nos últimos dias de 1892. Inicialmente medindo 27,5cm x 19cm, no dia 1º de janeiro de 1895, é publicado o número 7, com o seguinte texto inicial: “Depois de uma ausencia que muitos talvez já considerassem eterna, volta agora O Pão ás pugnas da intelligencia, e volta, como vêem, mais crescido, mais circumspecto e mais forte.” A partir deste exemplar a publicação aumenta seu tamanho e passa a trazer a indicação de um diretor, Antonio Salles e de um gerente, Sabino Baptista.

A Padaria Espiritual iniciou com 20 fundadores, que deveriam ter um “nome de guerra”, como indicado em um dos tópicos de seu programa. São eles Jovino Guedes (Wencesláo Tupiniquim, 1859-1905). Antõnio Sales (Moacyr Jurema, 1868-1940), Tiburcio de Freitas (Lucio Jaguar, ?-1918), Ulisses Bezerra (Frivolino Catavento, 1864-1920), Carlos Victor (Alcino Bandolim, ?-1894), José de Moura Cavalcante (Silvino Batalha, 1865-1920), Raimundo Teófilo de Moura (José Marbri, 1872-?), Alvaro Martins (Polycarpo Estouro, 1868-1906), Lopes Filho (Anatolio Gerval, 1868-1900), Temístocles Machado (Tullio Guanabara, 1874-1921), Sabino Batista (Satyro Alegrete, 1868-1899), José Maria Brígido (Moghar Jandira, 1870-?), Henrique Jorge (Sarasat Mirim, 1870-1928)), Lívio Barreto (Lucas Bizarro, 1870-1895), Luís Sá (Corrégio del Sarto, 1845-1895), Joaquim Vitoriano (Paulo Kandalaskaia, ?-1894), Gastão de Castro (Inácio Mongubeira), Adolpho Caminha (Félix Guanabarino, 1867-1897), José dos Santos (Miguel Lince) e João Paiva (Marco Agrata) [1].

Além de se dedicarem à atividade literária, os padeiros também estavam envolvidos nos debates políticos e sociais da época, preocupando-se com a valorização da cultura Cearense.

Em 1894, Antonio Sales publica o “Retrospecto dos feitos da Padaria Espiritual a contar de 30 de maio de 1892, (dia de sua fundação) a 28 de setembro de 1894”, onde conta com bom humor, a criação de O Pão [2].

Colaboraram também nas páginas de O Pão, Clóvis Bevilaqua (1859-1944), Manoel Lobato, Garcia Redondo (1854-1916), Raimundo Corrêa (1859-1911), Raul de Azevedo (1875-1957), Padre Corrêa de Almeida (1820-1905), Augusto Xavier de Castro (1858-1895) dentre outros. O soneto a seguir, “Aguaceiro”, é de Xavier de Castro, que faleceu no dia 30 de abril de 1895, quando saía do prelo a edição número 16 de O Pão. O número 17, publicado no dia 30 de maio, foi todo em “homenagem á memoria de Augusto Xavier de Castro no 30º dia do seu passamento”.

Aguaceiro

Cae a chuva. Em casa tudo.
Revela grande alegria,
Menos o velho, que chia.
Com seu rheumatismo agudo.

De semblante carrancudo
Põe-se a velha em gritaria,
Dizendo: - Corre, Maria! ...
Oh! Que pé-d'água barbudo!

Corre, negra! Anda, ronceira!
Bota a jarra na gotteira,
Tira da chuva o pilão! ...

- Oral! ... A gente assim molhada! ...
- Tira essa roupa, lesada!
Fica só, de cabeção! ...

 

[1] Conferir em O Pão da Padaria Espiritual. Edição fac-similar, 1982. Localização: 6-194-02-25, Coordenação de publicações Seriadas, ainda não digitalizado.

[2] Conferir a publicação na Seção de Obras Gerais da Biblioteca Nacional. Localização: II-375,6,5, n.3. Ainda não digitalizado.

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