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O Futuro: periodico litterario

por Maria Ione Caser da Costa
O Futuro: periodico litterario foi uma publicação luso-brasileira, editada no Rio de Janeiro, que se dedicava às letras e às artes. Seu lançamento aconteceu no dia 15 de setembro de 1862, sob a direção do poeta portuense Francisco Xavier de Novaes (1820-1869), que tinha como principal objetivo, divulgar escritores das duas nacionalidades, possivelmente para fazer oposição à influência francesa nas letras e nas artes, que até então, vinha sendo priorizada.

Abrindo aqui um parêntesis: Faustino Xavier de Novaes passaria a ser cunhado de um dos colaboradores de O Futuro, o amigo Machado de Assis (1839-1908), que anos mais tarde viria a ser considerado um dos maiores escritores da literatura brasileira. Sua irmã, a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novaes (1835-1904) e Machado se casaram em 12 de novembro de1869, entretanto, Faustino Xavier falecera antes do casamento, no dia 16 de agosto daquele ano.

O Futuro foi impresso inicialmente pela Tipografia Brito & Braga, situada na travessa do Ouvidor, nº 17. A partir do número 10, de 1º de fevereiro de 1863, passa a ser impresso pela Tipografia do Correio Mercantil, situada número 35, da Rua da Quitanda.

Com o título “Ao publico brasileiro e portuguez”, assinado por Reinaldo Carlos Montóro (1831-1889), o editorial, propõe sua intenção de apresentar escritores portugueses e brasileiros.

 
Este periodico vai tentar a realisação de um pensamento ha muito concebido por todos os que prezam as litteraturas dos dous paizes em que se falla a lingoa portugueza. Estabelecer um campo commum, em que livremente, sem preoccupações mesquinhas de opinião ou nacionalidade, viessem discursar os escriptores de ambas as nações, levar a estas o conhecimento mutuo do movimento litterario de cada uma, e dar impulso com o exemplo reciproco, ao progresso litterario de paizes tão ferteis em imaginações ricas e pensadores elevados, - é proposito que póde fazer sorrir incredulos do adiantamento, ou entristecer as almas mesquinhas que amam a sombra e o isolamento, e receiam os salões illuminados, os banquetes fraternaes em que ha sociabilidade, mas hade alegrar, ennobrecer de aspirações os animos generosos, que sonham futuro, amplo em civilisação e grandeza social, para as duas nações de origem portugueza. Porque recearemos, nós, soldados da pátria intellectual, em qualquer dos dous paizes, juntar-nos em arraial commum, depôr as armas em feixes entremeados, para concertar-nos nos preparativos á conquista da primazia intellectual: não tem vida própria ambas as nações, não tem consciencia da sua força, não tem uma o passado que a sustenta, não tem outra a grandeza da sua missão, que lhe fortalece a dignidade?  [...]

É o mais humilde de todos os amadores da litteratura, quem vem applaudir o pensamento da redacção perante os seus companheiros de trabalho ou de intenções; o publico de ambos os paizes entra no numero dos ultimos, pois é em intenções tão elevado como o mais valente idealista. Sabemos que muitos espiritos distinctos de ambas as nações partilham a nossa opinião: honra a estes crentes da patria, que não olham só para a pallidez e crepusculo vago do dia actual, e veem mais longe, em dias vindouros, a renovação da força material pelo impulso das idéas. Esta humilde voz não tem outro merito particular senão estimar com igual amor ambos os paizes, desejar o desenvolvimento de suas instituições livres, sonhar para ambos identica grandeza. Nações do futuro, é precedidas por esta flammula significativa, que vão dar a primeira manifestação da sua força commum: os amigos do progresso nacional, em ambos os póvos, applaudem de coração a tentativa!

Nas páginas que antecedem o editorial, está a biografia do Senhor D. Pedro II, Imperador do Brasil, assinada pelo Monsenhor Joaquim Pinto de Campos (1819-1887). De um modo geral, nas publicações periódicas, o editorial é o primeiro texto a ser publicado, principalmente no lançamento de um novo título. Em O Futuro não foi assim. A biografia do Imperador antecedeu ao editorial. Sendo publicada em capítulos, continuou nos exemplares seguintes, até o número 8, de 1º de janeiro de 1863.

O Futuro foi um periódico quinzenal, que circulou até o número 20, publicado em 1º de julho de 1863, sendo editado sempre nos dias 1 e 15 de cada mês. Exemplares, com uma média de 36 páginas cada, com ilustrações coloridas e bem diagramadas. Praticamente uma vez por mês, os leitores recebiam como brinde, uma gravura ou uma partitura, fora da paginação regular.

O periódico literário foi diagramado em coluna única, como um livro. A numeração das páginas foi sequencial, até o último exemplar, num total de 657. A paginação não retornou ao número 1, mesmo com a mudança do ano cívico.

A assinatura para a corte valia 15$000. Fora da corte e nas províncias o valor cobrado era de 17$000. Uma nota na última capa informava: “afiança-se a publicação por um anno, e não se recebem assignaturas por menos prazo.” Os pedidos de assinaturas, reclamações ou qualquer outro tipo de correspondência deveriam ser dirigidos ao escritório da redação, à rua do Ouvidor, nº 46, 1º andar.

Publicou contos, crônicas, romances, poemas, relatos de viagens, perfil de pessoas ilustres, narrativas de ficção, partituras musicais, correspondências, artigos de economia e política. Em O Futuro, o jovem Machado de Assis, divulgou em primeira mão, inúmeros poemas, crônicas e contos.

Entre os colaboradores, reconhecidos no Brasil e também em Portugal, estavam Anna Augusta Placido (1831-1895), Augusto Emilio Zaluar (1826-1882), Antonio Rangel de Torres Bandeira (1826-1872), Camillo Castelo Branco (1825-1890), Francisco Joaquim Bethencourt da Silva (1831-1911), Francisco Muniz Barreto (1804-1868), Faustino Xavier de Novaes (1820-1869), J. B. de Pinto (pseudônimo de Faustino Xavier de Novaes)[*], Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis, 1839-1908), Macedo Soares (Antonio Joaquim de Macedo Soares, 1838-1905) , “Ninguém” (alguns estudos apontam como sendo pseudônimo utilizado por Joaquim Nabuco, em outros, que foi utilizado por Camilo Castelo Branco), e vários outros. A seguir um soneto de João Xavier de Mattos (1730-1789).

Soneto

Li uma vez em certa obra impressa
Que havia no Parnaso um grão thesouro;
Eu, que ha tempo por dinheiro estouro,
Para lá fiz jornada a toda a pressa:

Mas como toleirão cahi na peça;
Pois, por mais que cavei, não achei ouro;
Vim peor do que fui, pois nem de louro
Trouxe um ramo, sequer, para a cabeça:

Assim estou, sem real, o anno inteiro.
E ainda ha louco tal, que affirmaria
Que um poeta é mais rico que um mineiro!

Mas eu digo que o estro da Poesia,
Se podesse comprar-se por dinheiro,
Por dezesseis tostões o venderia.

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[*] Enciclopédia de Literatura Brasileira, 2.ed., 2001, vol. 2, p. 1267.

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