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O Liberal: Jornal Crítico, Poético e Político

por Luzia Ribeiro de Carvalho (IC Faperj – bolsista)
Um jornalzinho liberal no Brasil Império

O Liberal: Jornal Crítico, Poético e Político é um periódico manuscrito datado de 1864. O acervo da Biblioteca Nacional guarda os dois primeiros números.

Os periódicos manuscritos apresentavam como uma de suas características serem formados por uma única folha e dobrados uma única vez, ou seja, um, um bifólio formando quatro páginas. O material utilizado para a escrita no século XIX era a pena que, junto com as tintas e papel de pasta de madeira, formava o instrumental básico para a montagem dos jornaizinhos.

O Liberal imita a mancha gráfica dos jornais impressos. O cabeçalho aparece centralizado na parte superior da primeira página, com destaque para o título. Naquele espaço, estão, ainda, o número, o ano de publicação e o local de subscrição, Rua Direita nº 82, Rio de Janeiro, e informações sobre o valor do periódico, 40 reis. Fecha o conjunto uma frase sobre a falta de regularidade para a sua circulação.

As páginas são compostas em duas colunas verticais de texto, dividindo o espaço. Separando-as, uma linha vai do cabeçalho ao pé da página. Os títulos das matérias são destacados por letras em caixa alta, em alguns as letras são vazadas e em outros, cheias. É um texto com muitos sinais de correção e alguns remendos feitos com letra diferente daquela que escreve o texto principal, sugerindo uma releitura por parte do autor, a existência de um segundo editor ou de um revisor. A caligrafia é de difícil leitura, exigindo esforço do leitor para uma compreensão completa do assunto tratado. A oxidação causada pela tinta, de características ferrogálicas, provocou um sombreado no verso de todas as páginas. Nas palavras que compõe o título, entretanto, a grande quantidade de tinta utilizada fez com que o papel fosse corroído, perfurando-o. Um observador perspicaz notará que falta um pedaço nos cantos inferiores das páginas.

O Liberal têm como tema do nº 1 o retorno dos liberais ao poder, motivo de grande comemoração e entusiasmo. Aquele ano de 1864 marcou a formação do segundo Gabinete Zacarias, que funcionou entre janeiro e agosto. O político Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877), já havia constituído um gabinete que durara um curtíssimo espaço de tempo, seis dias, no ano de 1862, sendo o primeiro gabinete liberal, após treze anos de domínio político dos conservadores. Além dele, outro ministro ocupara a chefia do governo no período, Pedro de Araújo Lima (1793-1870), o Marquês de Olinda, comandou um gabinete entre maio de 1862 a janeiro de 1864. O período, de menos de dois anos, marcou a formação de um acordo político que ficou conhecido como o do gabinete progressista, composto por dissidentes dos conservadores e liberais tradicionais. Foi a primeira experiência desse tipo, no Império. Atuando como partido, desde então, a Liga Progressista foi dissolvida por ato discricionário do Imperador, em 1868.

Na primeira página, o editorial invoca “as respeitáveis proteções dos seus leitores a este pequeno periódico que procura ser útil a seus assinantes”. A coluna “O Correio”, que se estende até a página seguinte, fala de uma conversa entre duas pessoas – é um diálogo sobre a política do momento que, todavia, parece desarticulado para o leitor atual. A coluna “A Pedidos” felicita pelo momento em que uma Estrela da Liberdade conduziria o povo e os destinos do Império. O novo cenário simbolizaria o fim do despotismo e da guerra e a chegada dos tempos de tranquilidade e paz. O editor conta como as comemorações aconteceram nas ruas: “A noite tivemos de saudar o nome da liberdade pelas ruas d’esta Província com uma banda de música a decantar as maravilhas do partido liberal e fogos em turma subiam aos ares e confundiram-se com os vivas orgulhosos dos liberais que cada vez mais se entusiasmavam”. Curioso é o nome da coluna, que está grafado com dois pp, Appedidos.

Sempre segundo as palavras do editor, os brados entusiasmados estariam inspirados pelos versos do Hino da Proclamação à Independência do Brasil. Peça escrita por Evaristo da Veiga (1799-1837) e musicado por Dom Pedro I (1798-1834), preciosidade guardada pela Biblioteca Nacional. Dois quartetos, inspirados em versos dele, fecham a coluna.

A edição número 2 data de uma quinta-feira, 17 de março de 1864. Mantendo o debate político, o editor apresenta suas preocupações com a educação das crianças. Denuncia que “um colégio denominado Liceo” fecharia os olhos para as questões políticas que, levadas para a escola, estariam influenciando a juventude. O colégio citado pela matéria, provavelmente, seria o Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1856 e localizado no prédio da Igreja de São Joaquim, onde permaneceu até 1877. Tendo passado por inúmeros endereços, a instituição funciona atualmente na Rua Frederico Silva, nº 86, nas imediações da atual Praça Onze.

Uma notícia, na terceira página, informa sobre a falta de atividades do Congresso Nacional, formado pelos deputados e os senadores. Para o jornal, os discursos e explicações dos congressistas pareciam “com dúzias de fábulas desenterrando antigos reis valentes e fracos imperadores”, para que o povo não se percebesse da morosidade das atividades dos representantes e do prejuízo trazido ao país, por essa inação.

Uma curiosidade a mais oferecida pelo pequeno jornal é a informação sobre o local de sua subscrição, a Rua Direita nº 82. Trata-se do mesmo endereço de A Careta, outro manuscrito pertencente a esta coleção. A rua foi o mais importante centro político e comercial da capital, por mais de três séculos. Ela era o endereço de palácios, como o Paço Imperial, de monumentos religiosos, como a Antiga Sé, e de edifícios, como a Cadeia Pública, além de um comércio elegante, como a Confeitaria Carceller, localizada ao lado da Igreja do Carmo, desde 1847. Nela se instalou o primeiro Banco do Brasil, em 1808, a Alfândega e a Praça do Comércio. Segundo informações encontradas em jornais comerciais da época, o imóvel do número 82 pertencia ao Visconde de Ipanema, futuro Barão de Ipanema, importante figura do Império brasileiro, responsável por criar e lotear o bairro de Ipanema, e nome de rua em Copacabana, nos dias atuais.

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