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A Cantharida: orgao do partido... que estiver de cima

por Maria Ione Caser da Costa
A Cantharida: orgao do partido... que estiver de cima, é mais uma pequena publicação periódica de vida efêmera, conservada no acervo da Biblioteca Nacional. O expediente avisa que havia intenção de sair semanalmente, aos domingos, mas, aparentemente, o plano não se concretizou, a se considerar que há apenas um único exemplar dela no acervo da Biblioteca Nacional. Ele foi impresso na cidade de Carangola, em Minas Gerais, segundo informação ao pé da quarta e última página, onde se lê o nome da cidade e o da gráfica, “typ. – Monitor Mineiro”. O valor da assinatura mensal era de 1$000.

As informações sobre a cidade e a tipografia talvez sejam as únicas fidedignas de todo o jornaleco que, integrado à boa tradição das publicações joco-sérias, faz troça e piada com tudo o mais que registra, a começar pelo local e data de publicação do cabeçalho: “Anno 1, Beocia, (Estado de Sitio) 2 do corrente de 1894, n.1.” . Talvez a referência ao ano também e o preço do exemplar sejam confiáveis.

Com quatro páginas diagramadas em três colunas divididas por um fio simples, seu tamanho é de 29,5 cm x 20,5 cm. As vinhetas que separam as matérias são delicados e pequenos desenhos de insetos como besouros, borboletas, mariposas e de pássaros em voo vistos de perfil. Há ainda uma vinheta abstrata. As artes gráficas, impressão inclusive, são de muito boa qualidade.

Seus editores utilizam pseudônimos, e os colaboradores não assinam seus textos. Os redatores eram Athanasio Po’demico e Ambrosio da Cunha Pinto e o proprietário Braz A. Pimenta & C.

O editorial confirma a proposta de fazer humor.

É moda, é regra adoptada, em Minas e em toda a parte, contar lôa bem contada, cheia de puffs, de arte, toda a vez que saeá luz um filho de Guttemberg. O demo foge da cruz quando Ella em frente se ergue de seus cornos (tenho ouvido gente entendida affirmar que é de dois chifres provido o demo e quem contestar, vá contestando... e cebolas), eu, porém, é que não fujo da velha praxe. Ora, bolas! Algum tolo, algum sabujo, ha de suppor que a Cantharida é um jornaleco chinfrim, de leitura fofa e arida, por vel-o pequeno assim como ellesae hoje á rua. Mas é muito outra a historia – e eu digo a verdade nua – embora vesicatoria, como o seu titulo indica, esta folha ha de se impor ás massas e ha de ser rica, como as mais ricas, leitor, de verve, de sal, de graça; ...


Abrindo aqui um parêntesis no extenso editorial, vale chamar a atenção para o sentido do nome escolhido para o título: cantárida. Pesquisando o significado da palavra, encontramos ser uma espécie de besouro, de cujas asas, depois de secas, transformam-se em medicamento que, dependendo da dose serve de afrodisíaco ou de diurético ou, ainda, de veneno. Um medicamento vesicatório, isto é, que queima, corrosivo, que causa ardidura. Não seria esta a intenção de seus editores? Apimentar a vida e os momentos de leitura dos leitores?

...[condição sinequa non, p’ra que o assignante não faça cara feia (isto não é bom), ao receber a visita do nosso amável gerente, antes lhe mostre bonita cara, risonha e decente e caia logo com os cobres da assignatura do mez:]senão, meus caros e nobres leitores, já de uma vez, julgai por este programma de que vou dar-vos um esboço:
Ha de ser folha de fama A Cantharida, este poço de chiste que hoje apparece na nossa bella cidade. Não haverá ninguém triste, onde Ella chegar, que há de estar sempre transbordando de pilherias muito finas e originaes. Fascinante, será gárrula, traquinas, a tal folhinha, ai, Jesus! dizendo as cousas com todos os ffff, rrrr e uuu, porá muitos homens doudos, á força de rir... o riso, já o bom Molière dizia, provando assim ter juízo, o que é tão raro hoje em dia (citei Molière e não sei se foi o dito quem disse o que eu vou dizer; é lei, na vida da imprensa isto – fazer citações em falso, e tal costume, está visto, não levou ao cadafalso nem mesmo um só jornalista, desde que este mundo é mundo; mas se o citado farcosta, o tal Molière jocundo, não disse, então, sou eu que digo a tolice que ides ler) o riso são faz o doente; feliz o desgraçado; bonito o feio. Eu, certo, não quis estender tanto o artiguito da nossa apresentação: mas estendi, que fazer?


E segue o editorial, de forma irreverente, descrevendo como imaginam que será o futuro do periódico.

Andará de mão em mão, cada qual querendo ser o primeiro a lel-o, o nosso bemfadado jornalzinho. Ha de gostar delle o moço, por causa de um certo espinho que, entre as flores da chacota, sempre achará disfarçado na mais pudica anedocta. E o velho? que bom boccado! que saborosa pitança! como há de amar ACantharida! Depois de repleta a Pansa com a leitura insossa e arida das outras gazetas, todos hão de vir buscar o goso aqui; teremos engodos, para prendel-os; repouso não poderão mais achar, depois de uma vez nos lerem, porque tanto hão de gostar (digam lá o que disserem) que, por força, quererão, todo dia, toda hora, ter A Cantharidaá mão (sem malicia).
Vou-me embora, após tão longa conversa. Aos domingos, leitores, se a sorte não for adversa. Até domingo, senhores.


Também no Expediente pode ser confirmado o desejo de distrair os leitores fazendo-os rir: “É cousa que ninguém tem mais do que a rapaziada cá de casa, e a prova é que não botamos aqui o nosso porque não vivemos de expedientes.”

Notícias falseadas e sem sentido informativo real, poesias que brincam com o cotidiano, e pequenos artigos de humor inocente, ou aparentemente inocente, é o que estampam as páginas de A Cantharida. É da página dois o poema Aos Collegas da imprensa, que, como todas as matérias publicadas, não trás autoria.

Aos collegas da imprensa

Ó collegas venerandos
Da grande imprensa: Jornal,
Gazeta, Paiz, Revista,
Pharol, Rebate e quejandos
(Não levem os demais a mal
Que os deixe fora da lista);

Não negueis á sertaneja
Que hoje vos vem visitar
O abraço que Ella merece...
Nada a pobre tanto almeja
Como um cantinho occupar
Nas vossas columnas; esse
Ha de lhe ser franqueado,
É bem visto e de bom grado.
P. S.
E querendo permutar
Não se façam mais rogar

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