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Folheto de Lisboa: uma pena rápida na Biblioteca Nacional

por Irineu E. Jones Corrêa (FBN)
Cada número do Folheto de Lisboa ocupa duas folhas de papel, frente e verso. O manuscrito tem qualidades gráficas: texto bem arrumado, bom aproveitamento dos espaços, quase sem rabiscos e com poucos retoques. A variação de formato e tamanho das letras é bem utilizada para destacar o título dos subtítulos e estes dos textos corridos, mantido um padrão para cada um destes itens. Atualmente, o exercício de leitura é um tanto dificultado: a tinta esta esmaecida em alguns exemplares, oxidada em outros, além de ocorrer casos em que o texto de uma página está sombreado pelo texto da página do verso. As imagens digitalizadas não escondem ser o manuscrito um documento frágil. São folhas marcadas pelo tempo – rasgos e furos – que a modernidade do processo de digitalização não esconde. Suas medidas são 21,5 x 15,5 cm.

A coleção da Biblioteca Nacional brasileira tem 18 números, numa série que vai de 28 de janeiro até 12 de agosto, do ano de 1741. A sequência é falha, começa no número 4, seguindo até número 11. Continua com os números 13 e 14. Recomeça com os números 19, 20 e, depois, os 23, 24, 26, 27 e 28. A partir daí, uma nova quebra, até que o número 32 encerre a coleção. Um conjunto modesto, considerada a informação de que o periódico circulou de janeiro de 1740 até 1745 e algumas bibliotecas portuguesas possuem coleções completas do periódico.

Documento materialmente singelo, coleção relativamente modesta, sinaliza para a presença no mundo lusófono de um instrumento de comunicação interessante. O período abrangido pela coleção corresponde ao trigésimo quinto ano do reinado de João V (1689-1750) tempo de riscos para a integridade do império português. Na Europa, problemas na sucessão espanhola, com uma possibilidade de integração com o reino francês, toldam o horizonte político de Portugal. Na colônia da América, a riqueza trazida com a descoberta do ouro se fazia acompanhar de uma grande preocupação com o controle da circulação de pessoas e mercadorias e a premência de uma reorganização da estrutura administrativa da região mineradora. Na África e no Oriente, outras nações europeias interessadas na aventura colonialista colocavam em xeque a hegemonia portuguesa naquelas regiões – processo que começara no século XVII.

As matérias são organizadas em blocos. Na maioria das vezes, dois blocos por número, separados e identificados pela região de origem das notícias. Em alguns números, há apenas um bloco, caso do n. 27, de 8 de julho de 1741. Outros são formados por três blocos, correspondendo a três regiões, como no caso do n. 24, de 17 de junho. A Estremadura, região em que está Lisboa, aparece sempre. A presença de outras regiões varia: Entre-o-Douro, Minho, Beira, Trás-os-Montes, Alentejo. Sob o emblema de cada região, aparece o nome da cidade em que as notícias seriam editadas: Lisboa, Porto, Elvas, Santarém, Almerim, Crato, Coimbra, Torres Novas, entre outras. Nenhuma das matérias apresenta indicação de autoria.

A capilaridade das fontes noticiosas, espalhadas por tantas cidades e vilas sinaliza para algo mais complexo: com os limites de um documento manuscrito, portanto com poucas cópias, circulando apenas uma vez por semana, aos sábados, estas folhas parecem acompanhar os acontecimentos de todo um país, de todo um império intercontinental, sinalizando a existência de uma rede que une de modo inesperadamente ágil e eficiente informantes a redatores e copistas, que, juntos, produziam um folheto capaz de noticiar os assuntos mais variados. As exíguas duas folhas de cada edição exigiam uma escolha dos assuntos e acontecimentos a serem noticiados e comentados, mas, a diversidade das matérias chama a atenção: desde os navios que aportam e partem com gentes e mercadorias, até o crime acontecido na rua de aldeia interiorana, o nascimento do príncipe, a chegada do novo bispo romano, a batalha ocorrida na Índia e a publicação de um novo breviário.

A opção pelo detalhe da informação e uma instigante ligação com a Gazeta de Lisboa, jornal impresso, está proclamada no primeiro número do Folheto, informam alguns leitores: ele faria circular notícias locais, sem espaço no periódico impresso, podendo tratar de alguns assuntos já publicados pela Gazeta, numa perspectiva própria. Por ser manuscrito, o folheto não passava pela rede de censura eclesiástica e civil à qual estavam submetidos os impressos, condição que o tornava mais livre que aqueles. Nesse viés se coloca como um elemento importante num sistema complexo de circulação de informações que integra periódicos impressos com outros manuscritos, como o Folheto de Lisboa Occidental, o Mercúrio de Lisboa e o Mercúrio Histórico de Lisboa.

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